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9.10.2017

Remendo – ou arremedo – de reforma política

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A julgar pelo cenário atual, não há como desenhar uma perspectiva de melhoria da política brasileira num futuro próximo. Muitos ouvidos permanecem moucos, mesmo depois de todos os sinais dados pela população. Vivemos nada menos do que a maior onda de manifestações populares da história recente do país. Quem foi às ruas, aos milhões, não foram sindicatos, corporações ou grupos manipuladores. Houve protagonistas aqui e acolá, mas a imensa maioria dos manifestantes era composta de cidadãos simples, motivados por suas próprias convicções. Bradaram contra o governo de então, sem dúvida, mas queriam também uma evolução generalizada da política. Reclamaram da crise de representatividade, rejeitaram os partidos. Mas, mesmo sem esconder a insatisfação, somaram vozes de esperança na pátria.

Quem escreve aqui é um otimista por natureza. Todos que me conhecem sabem o quanto procuro ver o lado bom das diferentes situações da vida, de modo a construir saídas e avanços. Acredito piamente na capacidade de superação do ser humano, mesmo nas situações mais adversas. O que estamos vendo no cenário político brasileiro, entretanto, não permite um exercício mais consistente desse otimismo. Dizem que todo indivíduo excessivamente otimista é um tolo, bem como o pessimista é um chato. Pois bem, diante da realidade que está à frente dos nossos olhos, a tolice não é boa conselheira. É hora de denunciar, com todas as nossas forças, que a política brasileira continua em estado de letargia absoluta, completamente dissociada das vozes das ruas – ressalvadas, evidentemente, algumas exceções que confirmam a regra. E é inacreditável que, com tantos recados da população, isto esteja acontecendo: inanição, tergiversação e indiferença.

O que aconteceu em termos de reforma política – #sqn, para usar uma expressão das redes – é uma clara demonstração dessa desconexão. A cláusula de barreira aprovada é tímida e insuficiente para mudar a absurda realidade atual, que contempla 35 partidos legalizados e mais 30 em fase de legalização. Temos 28 bancadas com líderes na Câmara dos Deputados e 18 no Senado. O trabalho de liderança fica praticamente inviabilizado tamanha pulverização de poderes. As negociações se deslocaram do ambiente dos partidos para os parlamentares individualmente, piorando o que já não estava em bom caminho. Também continua o vergonhoso sistema de substituir senadores titulares por suplentes que, normalmente desconhecidos, não foram escolhidos pela população. Hoje são 17 no exercício do cargo, muitos deles sem a mínima capacidade e representatividade para estarem lá. Isso apequena o Senado, uma casa que já foi importante em tantos momentos da história brasileira.

E o processo poderia ter sido ainda pior, se passassem mudanças como o distritão – uma espécie de seguro garantidor para os atuais mandatários. O fato é que, com um ou dois avanços, se muito, o que tivemos não foi uma reforma política. Foi um remendo ou um arremedo de reforma. No global, tudo continuará igual na próxima eleição. A prática seguirá tendente ao caixa dois, o eleitor continuará distante do eleito e vice-versa, as campanhas ainda serão caras e com um conteúdo retórico e o governo precisará compor a maioria depois da eleição. Esta seria a hora exata para um modelo mais evoluído, como o sistema do voto distrital puro ou misto, em que os parlamentares são eleitos por regiões menores. Mas, como essa ideia não foi sequer deliberada, a dissociação entre o Legislativo e o Executivo permanecerá dando margem ao fisiologismo, à compra de parlamentares e à corrupção.

Não há nada que exija sequer uma revisão de procedimentos de quem participa do jogo político e eleitoral. O sistema proporcional continuará com todas as suas imperfeições e consequências. A regra da disputa, infelizmente, não mudará seu viés de proteger grupos de interesse no lugar de produzir um debate nacional mais profundo e transformador. Os grandes vícios permanecem. Ficamos na dependência de indivíduos dadivosos, capazes de produzir algo em um terreno tão infértil. Mas, quando as individualidades são a solução, abre-se margem para aventureiros e personalistas. Enfim, lamentável a oportunidade perdida. Quiçá tudo isso, mesmo sem uma reforma verdadeira, possa ter deixado um legado diferente na consciência social. Sou crítico à política, mas não vejo caminho fora dela. E o início fundamental de qualquer mudança passa pela tua, pela nossa participação cidadã. Em frente!