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5.09.2016

Temer: pouco tempo para acertar

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Vai levar algumas semanas, talvez meses, até que a normalidade política se sobreponha ao rescaldo do processo do impeachment. As manifestações violentas havidas nos últimos dias, especialmente nas capitais, mostram o grau de radicalização de setores da oposição. O fato é que nenhum país sai ileso de uma ruptura como essa, por mais que todos os passos constitucionais tenham sido observados. O lado que perdeu cuidará de construir sua própria narrativa, até para viabilizar-se futuramente.

Michel Temer assume, portanto, já com esse problema para cuidar. É certo que, para além das ruas, também encontrará forte resistência no Parlamento, seja no ambiente de plenário, nas comissões e em todas as áreas em que a oposição possa exercer influência. Isso inclui movimentos sociais e organizações civis próximas ao governo.

Os obstáculos também estão na base de apoio, que desde logo se mostra gelatinosa. Até aqui, houve certa dose de compreensão em virtude da interinidade. Doravante, o velho pragmatismo voltará à tona com todas as suas faces revigoradas. O sistema político brasileiro gera uma base majoritariamente volúvel, fisiológica e permeável a grupos de pressão. Mesmo que tenha ampla maioria no Congresso Nacional, o governo Temer terá trabalho para manter esse quadro na votação de reformas e projetos polêmicos.

Tudo isso se reforça com o baixo índice de aprovação do novo governo junto à sociedade. O período de interinidade não conseguiu criar esperança, nem mesmo reverter o pessimismo sobre o futuro. Então, também a população não levantou grandes franquias para o grupo político que assumiu a presidência. E ainda muitos episódios que podem mexer no cenário, tais como as novas etapas da Lava Jato e a cassação de Eduardo Cunha. O povo estará mais atento às atitudes que serão tomadas.

Nesse contexto de agravantes, ainda incluo as dificuldades do cenário econômico nacional e internacional. A China, por exemplo, primeiro destino do novo presidente, segue em processo de desaceleração. Internamente, o consumo demora a recobrar e os investimentos ainda seguem retraídos. Há sinais esparsos de melhora, mas nada que possa significar mudanças de curto prazo.

O cenário pós-impeachment, entretanto, não é só de pessimismo para o governo de Michel Temer. Procuro fazer uma análise realista. O novo presidente acertou, por exemplo, na escolha da sua equipe econômica.
Pode-se discordar num ou noutro ponto das decisões tomadas, mas o conteúdo dos diagnósticos e dos prognósticos se mostra adequado para o momento. O tamanho da crise é reconhecido e, diante disso, o ajuste fiscal é corretamente apresentado como condição inegociável. Há, portanto, sinais de maturidade na gestão macroeconômica do país. E isso já é bem importante na criação de um novo ambiente.

Nesse aspecto, um adendo que considero decisivo. Se é preciso corrigir os rumos fiscais do Brasil, o que é verdade, não se pode esquecer de incentivar a produção. Isto é, não vamos retomar o caminho do crescimento apenas pelo viés rentista ou financeiro. O país é muito mais do que o resultado contábil de seus bancos. A indústria, o comércio, o agronegócio, o segmento de serviços e as outras áreas serão a alavanca mais consistente para um novo ciclo de desenvolvimento. A lógica da recuperação, portanto, deve contemplar alternativas para os setores que geram emprego e renda.

Retomo as fortalezas de Michel Temer. Se falei de sua base parlamentar pelo prisma negativo, devo gizar que a maioria formada é ampla. E isso é bem melhor do que se via no governo Dilma, que deixou desestruturar completamente o apoio que tinha. A confiança é maior também junto aos agentes econômicos. Há mais previsibilidade e transparência de ações na área. A inflação está em queda. A balança comercial deverá terminar o ano com um superávit de R$ 50 bilhões. Surge um espaço para baixar a taxa básica de juros. Enfim, nem tudo conspira para dificuldades.

Mas Temer terá de mostrar resultado logo, a começar pela aprovação do projeto de emenda constitucional que limita o gasto público. É o mínimo para recuperar a confiança do país. Ao mesmo tempo, precisará agilizar as concessões, fazer a reforma da previdência, dar sustentabilidade aos programas sociais, abrir um diálogo sobre as leis trabalhistas e desenhar, no pouco mais de dois anos que lhe restam, algumas reformas estruturais. Além, claro, de fazer entregas objetivas em obras e realizações.

Ainda que haja questões jurídicas e feridas políticas do impeachment em aberto, a hora é de retomada. As divergências permanecerão, mas o Brasil precisa focar-se em construir um novo futuro – diferente daquele que se desenhava. Isso acontecerá melhor e mais rápido num ambiente de cooperação, civismo e equilíbrio. É o que desejamos.