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2.05.2016

Os dois lados de uma transição abrupta

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A transição entre os governos Dilma e Temer não será convencional. Primeiro, porque será abrupta. Assim que o afastamento da atual presidente for confirmado, em seguida ela deve deixar o cargo. Ato contínuo, o vice assume o posto de titular. Não há tempo para a ambientação de quem chega. Além disso, o novo governo começa em caráter provisório, com duração de até seis meses. Mas o presidente precisará posicionar-se por inteiro, como se fosse permanecer até o final do mandato – até porque isso pode efetivamente acontecer.

A questão temporal, como se vê, tem relevância. Mas, dado o nível de tensão da política brasileira, acaba figurando como algo secundário. Há diversos riscos ainda mais importantes que se sobrepõem nesta provável transição que o país viverá nos próximos dias.

Como já abordei em meus espaços, o novo presidente terá pouco tempo para acertar. Não contará com o convencional crédito para “queimar” junto à opinião pública, como costuma acontecer com governos novos – é uma maior compreensão em relação a equívocos iniciais. Precisará acertar na largada, tanto na política quanto na economia.

Mas Temer pega uma situação difícil nesses dois aspectos. Além disso, recebe a nação dominada por um grande sentimento de descrença e desesperança, atingindo inclusive o novo governo e o novo presidente. É um início sem aclamação popular. Pelo contrário, começa com desconfiança e até mesmo rejeição.

As notícias dos últimos dias mostram que as dificuldades no campo político já se apresentam. Ora, o governo terá mudado, mas a prática e a cultura política do país ainda não, infelizmente. A pressão dos partidos por espaços já está grande. E há 28 bancadas com representação no Congresso Nacional. Começam a surgir candidatos a ministros, aqui e acolá, sem qualquer identificação com as áreas que pretendem gerir.

Se o novo governo cair no jogo convencional do troca-troca (de cargos por apoio), do fisiologismo e do clientelismo, em seguida surgirá uma gigantesca e incontornável onda de reprovação contra si. Claro que a pressão por espaços faz parte do jogo político. Claro, também, que Temer não irá governar sem os partidos. Mas ele não poderá simplesmente reproduzir a mesmice das más práticas que ajudaram a conduzir o país a tal descalabro. Será um erro imperdoável.

A missão é difícil, mas não impossível. Não tenho dúvida de que, mesmo diante do emaranhado partidário e das contraditórias regras institucionais do nosso sistema político, é possível estabelecer um novo patamar de relacionamento entre o Executivo e o Legislativo. E isso precisa ficar demarcado desde logo por Temer, como um sinal para dentro, no mundo político, e para fora, na sociedade.

Tudo bem que faça composições, mas precisará preservar especialmente os ministérios de ponta – como Fazenda, Saúde, Educação, Transportes, Relações Exteriores, dentre outros. Tudo bem que escolha nomes vinculados a partidos, mas desde que os mesmos tenham tamanho, respeitabilidade e identidade com a área que comandarão. Tudo bem que tenha um ministério plural, mas precisará reduzir consideravelmente o número exorbitante de pastas que hoje existe.

Os riscos da transição não estão apenas no governo que entra. Estão também no governo que sai. São injustificáveis, a se confirmarem, medidas de aumento de gastos, supressão de informações e ativação de diversas “bombas” de efeito retardado. Não pode o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), por exemplo, anunciar a paralisação de obras em todo o país. Todos sabemos que o custo da retomada será mais oneroso.

É hora, na prática, de exercitar o propalado espírito republicano. Ou, na falta dele, até mesmo de adotar um pouco de pragmatismo responsável. Se Dilma e aqueles que a apoiam acreditam que têm chance de voltar para a presidência da República depois do prazo de até 180 dias, não podem tomar medidas irresponsáveis, capazes de agravar ainda mais a situação fiscal do país. Se o atual governo optar por esse desfecho, terá colocado uma pá de cal na credibilidade que lhe resta – e nas chances de voltar. Irá pagar um elevado preço político por isso. E também será um erro imperdoável.

Viveremos dias conturbados, eis a única certeza. Mas o povo brasileiro, de perfil majoritariamente conciliador e ordeiro, mesmo que esteja desacreditado, não desejará que a corda da crise estique infinitamente. Quem souber desenhar – ou ao menos rascunhar – um caminho crível e sustentável de mudança, ainda poderá catalisar muita esperança. Mas o exemplo deve vir de cima. O Brasil quer seguir em frente.