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25.04.2016

Os desafios de um novo governo

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Em se tratando de política e economia, projeções sempre têm grande margem de erro. Na fase em que se encontra o Brasil, tanto mais. É muito difícil fazer qualquer desenho sobre o que vem pela frente, num cenário de assunção provisória de Michel Temer ao posto de presidente. É razoável, diante do que se depreende da opinião dos senadores, trabalhar com essa hipótese como a sendo a mais provável. A admissibilidade do processo do impeachment deve passar no Senado Federal, pois precisa apenas de maioria simples. E, em sendo assim, é possível fazer pelo menos um exercício sobre os muitos desafios que estarão postos ao potencial novo governo.

Superada essa questão metodológica, por assim dizer, faço uma abordagem sobre o ambiente que pode receber Michel Temer.

Haverá, basta ver a forma com que o PT e os movimentos sociais mais umbilicalmente ligados ao partido já estão se comportando, uma grande força de oposição ao novo governo. Diferente do que ocorreu com Itamar Franco, que sucedeu Collor quando a quase unanimidade do país queria a sua saída, agora haverá uma contraposição com forte lastro político e social. Mesmo que a aprovação social da presidente Dilma tenha diminuído bastante, uma máquina de mobilização motivará, desde o começo, uma dura oposição a Temer. Dado o nível de acirramento da disputa política, esse embate deve manter-se em tom acirrado – mesmo que o novo presidente tente, e creio que tentará, fazer um discurso de conciliação nacional.

Nos mercados financeiro e produtivo, entretanto, Michel Temer terá um crédito maior. Crédito de tempo e de credibilidade, propriamente dita. E esse ânimo inclui os setores economicamente mais importantes, como o ramo bancário e financeiro, o industrial, e até mesmo os operadores de menor porte. O atual vice já está cuidando de conversar com diversas pessoas e organizações estratégicas no sentido de dar sustentabilidade às primeiras medidas que, necessariamente, precisará tomar. Temer sabe que a arrecadação federal está caindo, que o desemprego está aumentando e que a recessão é uma realidade grave e urgente.

Mas tal receptividade é precária e temporária. Durará até que o mundo da economia consiga entender o rumo da nova gestão. Se Temer efetivamente der sinais de que pretende cortar gastos da máquina estatal, fazer um ajuste fiscal equilibrado, sinalizar para a atração de investimentos e mostrar uma pauta de ativação da economia, o apoio tende a manter-se e aumentar. Se, porém, ele tiver gestos erráticos ou meramente convencionais, na linha do “mais do mesmo”, ou numa linha demagógica, em seguida estará mergulhado numa perigosa descrença – ele próprio e tudo o que estiver tentando construir.

Com a sociedade, sequer há esse crédito. Pelo contrário, há uma desconfiança e uma rejeição desde logo – basta ver as pesquisas a respeito. Mais distante do cotidiano dos bastidores e pouco informada sobre o perfil do próprio Michel Temer, a população torcerá o nariz para o novo presidente. A tolerância estará muito próxima do zero, o que é absolutamente compreensível para uma nação oprimida por uma gigantesca onda de corrupção, recessão econômica, insegurança pública e falta de perspectivas. Na cabeça do eleitor-médio, Temer é nada mais do que um político convencional. Logo, seguindo esse mesmo raciocínio, não há por que depositar esperanças sobre um eventual governo do peemedebista.

Veja-se, então, a confluência de três graves fatores. Na política, Temer terá uma forte oposição. Na economia, precisará mostrar disposição para arrumar a casa, o que provavelmente incluirá medidas impopulares. Na sociedade, recolherá indisposição. Em todos os casos, pouca tolerância para o erro. Temer terá que acertar desde a partida. E adiciono um ingrediente sobre expectativas: enquanto o mercado financeiro espera medidas de ajuste fiscal, a sociedade não quererá um governo de costas para as questões sociais e desgrudado da realidade do setor produtivo e das próprias famílias. Há um conflito de pautas que precisará ser muito bem administrado.

Então, diferente do que tentou o ministro Joaquim Levy, Temer não poderá ficar apenas numa espécie de ajuste contábil. E diferente também do que tentara Guido Mantega, não poderá esperar do estado um papel tão propulsor do crescimento. Ele precisará colocar na mesa do país uma agenda de desenvolvimento, contemplando principalmente ações de curto prazo, dada a gravidade da situação. Terá de investir, mas sem extrapolar o orçamento – que necessariamente será cortado. Terá de ativar mercados, mas com margem pequena em termos de incentivos fiscais. Terá de recuperar a credibilidade dos investidores, mas sem fazer gestos que indiquem vulnerabilidade.

Na política, o desafio não é menor. O atual sistema presidencialista não funciona sem o mínimo de coalizão. Temer precisará, pois, formar uma base que o sustente. Gostemos ou não, essas são as regras do jogo que hoje estão em vigor. Falidas e ultrapassadas, é verdade, mas são elas que estarão valendo no dia da posse. Só que a desconfiança social em relação a Michel Temer se amplificará imensamente se ele repetir o jogo de barganha, fisiologismo e rasa repartição de espaços, cargos e contratos públicos entre partidos. A sociedade está enojada – a palavra é forte, mas real – disso. Não terá tolerância para a repetição do método. A saída é difícil, é um fio de navalha encontrar esse equilíbrio, mas o novo presidente não se sustentará sem tal condição. Mais um conflito de pautas a ser administrado.

Enfim, Temer terá que acertar nos nomes e nas medidas. E terá pouco tempo para isso. Pouco tempo e pouca paciência social. Seu trabalho de reversão das expectativas terá de estar no primeiro minuto de sua fala como presidente, se isso vier a confirmar-se. Cabe a ele costurar um grande ambiente de união nacional. Formar um ministério competente, reconhecido, mais enxuto, com nomes de respeitabilidade. Com ministros que minimamente tenham identidade com a área que comandarão. De pronto, mostrar comprometimento com a estabilidade financeira por meio do ajuste fiscal, mas ao lado de uma política de crescimento e ativação econômica do país. E apontar, para além do discurso de intenções, o caminho de reformas estruturais no sistema político, tributário, previdenciário e no pacto federativo.

A tarefa de Temer é praticamente do tamanho de um novo país, de uma reinvenção, de um grande reposicionamento nacional. Se acertar, começando bem, conseguirá conduzir adequadamente um governo de transição. Se errar, crescerá a tese de novas eleições ou mesmo do retorno de Dilma ao poder, depois do prazo previsto para o seu afastamento provisório. Estamos na curva de um grande ciclo histórico. São nesses momentos que as personalidades se posicionam e o futuro se define – para melhor ou para pior. A população brasileira deseja o melhor, isso é certo. E essa disposição já é uma grande aliada.