21.09.2015
Um avanço. Apenas isso
por Germano Rigotto
As grandes transformações civilizatórias decorrem muito mais pelas mudanças culturais gradativas do que pela força das leis. Sou daqueles que postula um Direito sintonizado com a sociedade, sem a pretensão de sempre querer impor-se a ela. Claro que, como instrumento de controle social, os diplomas legais também têm o papel de aplicar normas taxativas e coercitivas. E disso não pode abrir mão. Porém, mais do que a letra positivada de uma legislação ou de uma jurisprudência, é a consciência que muda a atitude das pessoas e dos povos. A convicção humana é muito mais transformadora do que qualquer assertividade jurídica. Ou seja: nossas esperanças devem repousar, em primeiro lugar, em dinâmicas com a da educação, da cultura, da família, da espiritualidade, enfim, da imensa capacidade cognitiva do ser humano. O livre convencimento gera mais resultado do que a severa coerção, esse é o ponto. O Direito será tão evoluído quanto forem seus signatários. E tão coercitivo quanto o alcance dessas fontes permitirem. E aí sim, sem ser superestimado ou tampouco subestimado, desempenhará a elevadíssima função para a qual se destina.
Fiz essa introdução, de cunho mais jurídico-filosófico, porque o tema sempre me instigou. E voltei a pensar sobre ele quando li, na última semana, que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu declarar inconstitucionais normas que permitem doações de empresas para campanhas eleitorais. Atualmente, 40 países no mundo já proíbem que pessoas jurídicas financiem os pleitos. No caso do Brasil, a mudança se impunha diante dos inúmeros casos – comprovados – de corrupção originados pela perigosa relação que se estabelece entre doador e donatário. Ano após ano, o país se mostrou incapaz de conviver com essa excessiva interferência do poder econômico nas campanhas e, por consequência, nos próprios governos. É certo que a nova disposição jurisprudencial, por si só, não será capaz de fazer cessar malfeitos entre os setores público e privado. Entretanto, nesse caso, o Direito não podia cruzar os braços diante de uma evidência. Cabia-lhe regular diferente, mesmo que isso não venha a mudar o animus de quem esteja intencionado a burlar as regras da moralidade. Ao menos, está posto mais um obstáculo.
Portanto, diferente de muitas análises entusiastas que tenho visto circular, não estou dentre os que saúdam a decisão do STF como um marco histórico. Não me iludo sobre a potencialidade do seu alcance. Muitos países que tomaram essa mesma decisão, como Portugal, não conseguiram impedir infrações semelhantes. Para burlar o novo sistema, por exemplo, chegou a ocorrer lista de doadores fantasmas. Todavia, como disse acima, a decisão judicial dá um freio de arrumação nessa flagrante vulnerabilidade do nosso sistema político-eleitoral. Não é plausível que empresas, especialmente grandes bancos e empreiteiras, tenham tamanho protagonismo no ambiente democrático de uma nação. Porque não haverá ninguém capaz de crer em intenções tão-somente cívicas de quem faça essas contribuições. Não que a intencionalidade obscura seja regra, até porque a grande maioria das organizações são sérias. Mas é inevitável que essa proximidade financeira gere uma relação no mínimo duvidosa no decorrer do governo.
Creio, então, que evoluímos. Mas essa mudança está longe de ser a tábua de salvação do nosso depreciado sistema político-eleitoral. Precisamos muito mais do que isso. Uma das principais deficiências do nosso modelo é a distância entre o eleitor e o eleito. A grande maioria da população sequer lembra em quem votou na última eleição. Uma solução pode ser o voto distrital, seja puro ou misto, já adotado em diversos países. Também não podemos mais conviver com tantos partidos, o que inclui legendas de aluguel, nem com a falta de transparência de mecanismos de controle, com a necessidade de formação da maioria depois da eleição, com a desproporção da representatividade e com a concentração de poder no Executivo. Combater esses vícios é uma forma de abrandar o fisiologismo, o clientelismo e a corrupção que grassam em nosso cotidiano político. Ao proibir a doação de empresas, o STF deu um passo importante, mas o Brasil pede mais, muito mais. Pede uma verdadeira reforma política.




