14.09.2015
Governo precisa agir e reagir
por Germano Rigotto
Nem tudo o que dizem as agências de risco se confirma. Em meus espaços, por diversas vezes apontei ausência de projeção em relação à grave crise de 2008, que começou com quebra do Lehman Brothers, tradicional banco de investimento norte-americano. A Europa e os Estados Unidos estavam à beira de um colapso, mas nenhuma análise foi capaz de antever a depressão que viria em seguida. Todavia, mesmo que cometam erros grosseiros, essas agências costumam acertar na maioria dos casos elas. E continuam exercendo papel relevante na verificação de risco de nações e empresas.
É por isso que não se pode desprezar a perda do grau de investimento do Brasil anunciada pela agência Standard and Poor’s (S&P), uma das maiores e mais importantes do mundo. Ao contrário. O assunto precisa ser levado a sério não só pela sua repercussão, mas porque as justificativas apresentadas são plausíveis. Não é um mero achismo dos analistas. O diagnóstico tem relação com a realidade que aqui, mais de perto, podemos comprovar. A deterioração fiscal e a falta de coesão da equipe ministerial estão entre as causas. Ora, nada mais evidente do que isso.
A S&P aponta que os desafios políticos do Brasil continuam pesando na capacidade de submeter um orçamento realista e consistente ao Congresso, o que compromete a correção prometida pela presidente Dilma no início do segundo mandato. A análise projeta ainda três anos seguidos de déficit primário e aumento contínuo da dívida se medidas de cortes de gastos não forem tomadas. E não descarta um novo rebaixamento devido à turbulência econômica e política pela qual passa o país.
Em outras palavras, a estabilidade macroeconômica, duramente alcançada na segunda metade da década de 90, especialmente depois do Plano Real, sofre um duro golpe. Isso não pode ser tratado como pilheria, tampouco como um dado de menor importância. Tudo o que não precisamos neste momento de exposição é de cegueira, desculpas ou transferência de responsabilidade, como se houvesse uma conspiração contra o país. Não é momento para divagações ideológicas, mas para ações duras, firmes e coerentes na defesa das bases da economia brasileira.
O governo precisa agir rápido e certo. Sair do discurso e ir para a prática. Sem novas maquiagens, artifícios ou engodos. Sem fazer de conta. Sem imaginar que, com frases de efeito ou programas tirados da cartola, será capaz de reverter a onda que se instalou. Nos últimos dias, a presidente convocou ministros do núcleo do poder para reuniões no Palácio Alvorada. Especula-se que o Executivo apresente cortes na ordem de R$ 20 bilhões, comprometendo alguns programas sociais que são sagrados na sua carteira de realizações. O limite será muito tênue entre fazer as diminuições necessárias e lançar o país em uma recessão ainda mais grave, diminuindo perigosamente a capacidade de consumo da população.
Mais do que prejudicar programas, o Executivo precisa cortar por dentro. Não apenas diminuir ministérios e cargos em comissão, mas reavaliar no detalhe todos os gastos em custeio. Revisar contratos, cortar gastos desnecessários e supérfluos, diminuir presença em atividades secundárias, rever a maciça participação estatal na economia e na sociedade. Enfim, fazer um verdadeiro pente fino em tudo o que se gasta. Isso deve ser imediato. Além de uma sinalização, será uma oportunidade para equilibrar um custo que foi se exorbitando ao longo dos anos.
Há margem para aumentar a arrecadação por meio da aproximação e um novo diálogo com os setores produtivos. Houve áreas que se mantiveram ativas, como o meio rural. Outras, no entanto, não foram contempladas nas estratégias de ação. O parque industrial brasileiro, por exemplo, está se esvaindo cada vez mais. O país segue sem um plano industrial, enquanto a China já projeta suas próximas três décadas. Além de não lidarmos adequadamente com a concorrência predatória, tornamos o Custo Brasil o maior adversário do produto nacional.
Desnecessário falar da urgência em acertar a condução política. É flagrante o desajuste da articulação do governo. Ninguém é legitimado, ninguém permanece, ninguém tem clareza sobre quem exerce esse papel. O vice Michel Temer o fez temporariamente, mas logo pediu licença para sair. Sofreu muito com o fogo amigo. Dilma não encontrou ou não calçou alguém que fizesse sua relação com o Congresso. Quase todas as tentativas foram desastrosas. Os defeitos institucionais não são desculpa para deixar essa relação tão a mercê da ocasião. Desse jeito, só quem mais ganha são líderes de grupos de interesse, sem verdadeiro compromisso com a nação.
Na sequência, é preciso colocar em curso as reformas estruturais no campo administrativo, político, tributário e federativo. Esse é um processo mais demorado, que depende de muitas costuras e concertações. Difícil de ocorrer, tanto que governos anteriores, com maior capilaridade política e social, não conseguiram avançar. O Brasil mudou muito desde a Constituição de 1988. O mundo mudou. E não fomos capazes de propor uma agenda de modernização institucional do país, que já possui maturidade democrática suficiente para colocar essas mudanças em curso.
O governo vive uma espécie de paralisia. Está anestesiado pelas crises em todas as vertentes. Com isso, até o que possui menor monta ganha proporção superior. Os oportunistas deitam e rolam. Não se percebe um encaixe de liderança, uma palavra de verdadeira tranquilidade, um desenho claro de rumos pela frente. Mas a perda de grau de investimento, que é uma péssima notícia, pode ser um mote para agir e reagir. Só que isso precisa ocorrer logo e de maneira acertada. Vamos acompanhar o que vem pela frente.




