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17.08.2015

Ambiente desfavorável para reformas

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Um assunto passou praticamente despercebido da apreciação política das últimas semanas. Em meio ao recesso parlamentar, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, criou uma comissão especial para analisar e formular propostas sobre a reforma tributária. O colegiado terá 26 titulares e 26 suplentes. Ele quer recolher os acúmulos e colocar em prática algumas mudanças. Desde sua posse, a mudança do sistema tributário está em suas preocupações.

Já acompanhei diversas tentativas similares a essa. Em muitas delas, me envolvi pessoalmente. E, infelizmente, mesmo com o esforço de muitas pessoas de boa vontade, até hoje não vimos essa transformação acontecer. Tanto foram os bloqueios, contratempos e desvios no caminho, que decidi escrever um livro a respeito – a ser lançado nos próximos meses. E a iniciativa de Cunha, por mais meritória que seja, caminha para ser mais uma na prateleira dos insucessos.

Itamar Franco foi o primeiro presidente a tentar uma mudança no sistema tributário do país. No entanto, tudo o que conseguiu foi a criação do Imposto do Cheque, mais tarde convertido em Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Veio o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso. Eu, líder do governo no Congresso, embora presenciasse o desejo do presidente em relação à reforma, sentia o Executivo dividido, sem convicção. Havia um alarmismo vindo de setores da Fazenda, sempre temerosos em perder receita. Propostas foram formuladas, mas a reforma não avançou.

No mandato seguinte, o então presidente da Câmara, deputado Michel Temer, decidiu constituir uma comissão para tratar do tema. Fui escolhido para presidir o colegiado. Fizemos um trabalho que me orgulha até hoje. Realizamos diversas audiências, ouvimos especialistas, percorremos todos os estados do país, estudamos diferentes projetos, enfim, mergulhamos fundo na questão da reforma tributária. Chegamos a um ponto elevado de convencimento, mas de novo o Executivo acabou travando o avanço dos projetos.

Depois vieram Lula e Dilma. Durante o governo de Lula, participei ativamente de um grupo de trabalho dentro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Também ali conseguimos realizar um debate elevado e produzir um encaminhamento de proposta. Mas o desfecho não foi diferente. Quanto mais avançávamos, mais notávamos a resistência de determinados setores – os mesmos que sempre tiveram muita influência junto à presidência da República, em todos os mandatos.

A presidente Dilma, desde sua posse, falava da importância de promover uma modernização tributária no país para dar continuidade ao crescimento da economia. Em seu primeiro discurso, na Câmara, disse: “É inadiável a implementação de um conjunto de medidas que modernize o sistema tributário, orientado pelo princípio da simplificação e da racionalidade”. No entanto, nunca houve uma proposta estrutural concreta. A única tentativa foi de aprovar medidas pontuais para reduzir a carga tributária e impulsionar a produção no país. Pouco se avançou.

Resgato sumariamente essas passagens para mostrar que o país, até mesmo em tempos de calmaria política e econômica, não conseguiu promover uma verdadeira reforma tributária nas últimas décadas. É muito difícil que agora, no auge de uma instabilidade, o presidente Eduardo Cunha consiga fazê-lo. Preocupa-me, inclusive, que o protagonismo do parlamentar possa até mesmo ter um efeito contrário, inibindo qualquer mudança.

A reforma tributária é um nó, um dos que mais trancam o progresso do país. A racionalização do nosso sistema, ampliando a base de cobrança e diminuindo a complexidade das regras, impulsionaria a produção e traria benefícios, especialmente, para os mais pobres. Mas tudo isso defende de uma nova concertação nacional, que precisa ser precedida de um permanente esforço de formação de opinião – tarefa a que tenho me dedicado. A reforma só ocorrerá quando o país perceber quão ela é importante.