Artigos em Destaque

 

4.08.2014

Argentina: problema lá, repercussão aqui

por

 

Os descaminhos da Argentina são uma péssima notícia para o Brasil. A história do desenvolvimento mostra que um vizinho bem-sucedido, mesmo que possa competir em alguns setores, costuma trazer fluídos econômicos positivos. Ou seja: melhor um vizinho competitivo e estável do que um fraco e instável. As repercussões inevitavelmente respingam nas nações que estão à sua volta.

No nosso caso, essa situação é ainda mais grave em virtude do fluxo comercial que temos com os argentinos. São nossos maiores parceiros, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. Como não expandimos nossa carteira de exportações, que está centrada em acordos dentro do próprio Mercosul e em alguns poucos bilaterais, nossa pauta fica bastante vulnerável a esse tipo de oscilação.

A crise da Argentina tem diversos motivos. Nenhum país chega a esse estágio sem um leque de erros em múltiplas direções. Entretanto, a destruição do parque industrial é uma das causas estruturais mais evidentes. Os hermanos não souberam cuidar desse setor produtivo, ficando completamente dependentes da exportação de commodities. Sem valor agregado e com menos potencial para geração de emprego e renda, o setor primário, que é muito forte, não está conseguindo segurar a onda sozinho. As barreiras criadas nos últimos anos, muitas das quais em desacordo com o Mercosul, são vãs tentativas de encontrar uma saída.

Essa é uma boa lição, a propósito, para incorporarmos. O problema da desindustrialização também é vivido em nosso país, e não é de hoje. Claro que temos um território, um mercado de consumo e uma versatilidade produtiva maiores. Entretanto, em diversos setores está havendo a substituição da produção nacional por importados. Muitas vezes só o selo de um produto é brasileiro, sendo que toda a industrialização veio de fora. E, tal qual nosso fronteiriço, também estamos exportando grãos, derivados de animais e minerais, quase sempre sem valor agregado. Não é por outro motivo que nossa balança comercial já apresenta resultados deficitários.

Há, sem dúvida, um problema de gestão macroeconômica na Argentina. E, nesse ponto, não há similaridade com o que construímos nos últimos anos. Lá, por meio de uma opção política populista, a população acabou legitimando um modelo de excessiva intervenção estatal na economia, inclusive com descumprimento de contratos. O governo contesta esse diagnóstico, mas é certo que se gerou um clima de insegurança jurídica no país. E isso é mortal para afugentar investimentos.

A radicalização política, gerando um clima de confronto, também é um ingrediente que joga contra o país. Com inspirações ideológicas superadas, governo e oposição criaram brigas partidárias viscerais, mais voltadas a personalidades do que a projetos. Ninguém conseguiu, nos últimos anos, credibilizar um projeto, e até mesmo um nome, capaz de navegar nestes mares tão revoltos. E o governo de Cristina Kirchner, em vez de esforçar-se na amenização do ambiente, usa isso como sua própria estratégia. O discurso de luta de classes e a intimidação da imprensa são ingredientes perigosos desse caldeirão político-cultural em que vivem nossos vizinhos.

Depois de 2002, eis que a Argentina enfrenta um novo calote. Claro que pode estar havendo exorbitância por parte dos chamados fundos abutres, mas a solução não será encontrada na retórica de ataque aos credores. Esse, com certeza, não é o remédio para a crise, pois abala uma base, um fundamento da economia do país. E o mercado, todos sabemos, se move em grande medida por confiança. É aconselhável uma intermediação internacional para encontrar um ponto de equilíbrio, afastando todas as graves repercussões internas e externas que o calote vai gerar.

O Brasil tem ajudado muito pouco, mas tampouco a Argentina parece estar interessada em qualquer interferência nossa. Disputas comerciais pontuais tornam essa possibilidade ainda mais remota. Mas os emissários econômicos e diplomáticos daqui precisam ficar a postos para auxiliar os vizinhos no que for preciso. Além de laços culturais, estamos falando de um grande parceiro comercial. O equilíbrio da Argentina também é importante para o Brasil. Numa economia globalizada, estamos todos no mesmo barco – ainda mais quando tão próximos.