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19.03.2012

Em dívida com a verdade e a justiça

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O Brasil, há cerca de uma década, precisa lançar novas luzes sobre as dívidas dos estados com a União – luzes da verdade e da justiça. Isso exige reavaliar as renegociações feitas no final da década de 90, o que deve ser feito através de critérios técnicos e levando em consideração a nova realidade que se desenhou ao longo desses anos. A novidade é que o Governo Federal, sob o comando da presidente Dilma Rousseff, pela primeira vez demonstra real disposição política para estudar essa correção. Trata-se de uma oportunidade que não pode ser desperdiçada.

A rolagem da dívida, ao contrário do que muitos apontam por motivação política, foi feita no momento certo e nas condições que, naquele momento, eram adequadas. A política de estabilidade econômica, então em construção, exigia que os débitos fossem consolidados. Os estados, por sua vez, também buscavam uma reorganização das contas internas, de modo a readquirir capacidade de endividamento e ter melhor controle de seu próprio orçamento. Foi um balizamento necessário, tanto que todos assinaram.

Entretanto, as condições começaram a mudar logo em seguida – e isso foi alterando também o equilíbrio do contrato estabelecido. A nova política monetária em vigor fez com que o juro crescesse, levando consigo o crescimento da dívida. Por outro lado, a inflação caíra e, em vista disso, os estados perderam a receita que dela provinha. Ou seja: a alta do juro aumentou as despesas, e a baixa da inflação diminuiu a receita. Basta lembrar que, em 1998, a taxa Selic chegou ao patamar de 28,7%.

O maior contrassenso, contudo, reside no indexador sobre o qual o cálculo vem sendo atualizado ao longo desses anos. Essa federalização se deu sobre o Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI) mais 6% de juros. Ocorre que, com a mudança da realidade macroeconômica, o IGP-DI deixou de ser usado até mesmo pelo Governo Federal. Sua correção está muito acima dos índices utilizados atualmente. Para meta de inflação, por exemplo, vale o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Então, em virtude da mudança das condições existentes no tempo em que o acerto foi celebrado, o contrato virou leonino – porque passou a favorecer excessivamente uma das partes em prejuízo da outra. Isso gerou uma distorção gigantesca e um enorme prejuízo para os estados nos últimos anos, que – mesmo não contratando novos financiamentos – só viram o estoque da dívida aumentar.

Veja-se o caso do Rio Grande do Sul: em 1997, quando o débito foi repactuado, o Estado devia R$ 11 bilhões. Até 2010, pagou R$ 18,7 bilhões. Porém, pelos cálculos vigentes, ainda deve R$ 40 bilhões. A comparação de indexadores explica o supercrescimento: nesse período de 12 anos, o IPCA teve variação de 149,7%, enquanto o IGP-DI ficou em 245,7%. Em 2010 esses indicadores aumentaram, respectivamente, 5,9% e 11,3%.

Estamos diante de taxas de correção que não são utilizadas nem mesmo em negociações com o setor privado: o BNDES, por exemplo, costuma usar correções de 4 a 4,5%  para seus financiados. Quaisquer dos índices que possamos escolher – CDB Pré, inflação, Selic, TJLP –, nenhum vai apresentar uma alta semelhante ao que corrige a dívida dos estados. Como se vê, há uma clara distorção, algo que precisa sensibilizar até mesmo os setores mais conservadores da área fazendária.

As contradições não acabam por aí. O limite de comprometimento da receita corrente líquida dos estados, previsto para o pagamento do débito em questão, atualmente fixado em 13%, também se configura num visível exagero. Isso esvazia demais a capacidade local de investimento, relativizando até mesmo os princípios federativos e a autonomia dos entes. E se os governos estaduais não pagarem, automaticamente são bloqueadas as transferências da União. Há um engessamento orçamentário e jurídico.

Temos, portanto, um indexador errado, a incidência de altos juros, o estoque da dívida crescendo (mesmo sem novos financiamentos) e uma excessiva parcela dos orçamentos estaduais reservada para tal finalidade. Tudo isso configura uma situação em que as unidades federadas estão propriamente financiando o Tesouro da União, numa explícita configuração de desequilíbrio econômico-financeiro.

Pautei esse tema em explanação ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República, com amplo apoio de governadores, deputados e conselheiros. No Rio Grande do Sul, participei de uma reunião do CDES com o governador Tarso Genro a respeito da causa, que está mobilizado em favor dela. E estou ajudando a formatar uma nova mobilização nacional para a busca da revisão desses contratos.

O absurdo está flagrante e não pode continuar. Sua correção não será um favor da União, senão que o restabelecimento do equilíbrio. Outros pontos podem ser incluídos nas negociações que serão travadas – tais como os royalties, o freio na guerra fiscal via ICMS, a uniformização das alíquotas, a permuta de uma parte do valor pago para capitalizar os fundos previdenciários ou o retorno em investimentos. Enfim, não se pode perder a abertura sinalizada pela presidente Dilma. É hora de mobilizar e reunir esforços. O futuro dos estados passa por essa mudança.