19.12.2011
Otimismo realista para receber 2012
por Germano Rigotto
O transcurso de 2011, no ambiente econômico, foi marcado por uma nova e vigorosa crise financeira internacional. E acabamos o ano sem ainda ter saído do epicentro dessa turbulência, que teve origem na Europa e nos Estados Unidos, mas chegou ao mundo todo. Algumas das principais causas repetem os episódios de 2008, mesclando déficit fiscal e desregulação do sistema financeiro. O endividamento de países como Itália, Grécia, Espanha e Portugal faz periclitar os acordos da Zona do Euro, exige novos pactos políticos, testa a capacidade diplomática e impõe sacrifícios que não serão assimilados passivamente.
Há flagrantes de equívocos historicamente protagonizados por essas nações. A questão do déficit fiscal é o exemplo mais gritante disso. Os benefícios e investimentos públicos foram responsáveis pela criação de um ambiente de estabilidade social na Europa. Não é de hoje, basta lembrar, que se verifica uma diferença entre os indicadores de qualidade de vida daquela região para com a maioria da população mundial. Porém, o que se vê é que os governos não cuidaram da contrapartida orçamentária. Os gastos subiram significativamente sem que a arrecadação crescesse a ponto de pagá-los. Eis que a conta de somar e subtrair encontrou um negativo que agora pode gerar diminuição de benefícios sociais e de gastos públicos.
A desregulamentação do sistema financeiro, da mesma forma, é um traço que se repete na crise atual. Não apenas isso. Os bancos europeus e norte-americanos também apresentam alta alavancagem e pouca capitalização. Houve ainda um império da irresponsabilidade. Os proventos exorbitantes recebidos pelos executivos de instituições pré-falimentares é apenas um dado dessa contradição, mas suficiente para mostrar que os bancos não cuidaram de seus próprios negócios – e, assim, menos tinham condições de cuidar das poupanças alheias. O poder público ficou excessivamente distante do setor, deixando que o barco fluísse sozinho, na onda de que “o mercado se resolve”. O que se viu é que, para além das ideologias, os governos precisam estabelecer regras claras e metas de comprometimento em áreas, como é o caso da financeira, que geram repercussão na vida de todas as pessoas.
Porém, basta olhar o noticiário internacional para constatar que a ficha ainda não caiu. As medidas de ajuste não são mais do que tímidas e meramente conjunturais. Não se percebe um pacote profundo de austeridade fiscal e muito menos de aumento de receitas. Os grupos políticos locais bloqueiam iniciativas numa ou noutra direção: uns resistem ao enxugamento, outros torcem o nariz para maior arrecadação. Tudo isso derruba o mito de que europeus e norte-americanos são detentores de uma categoria superior de política e civismo. Há, bem se vê, sérios problemas também pelas bandas de lá nesse quesito.
O Brasil nada tem a ver com as causas dessa crise. Contudo, até porque na economia global não há ilhas de isolamento, os efeitos já chegaram aqui. E chegarão ainda mais. São diversos os setores que já têm presente esse diagnóstico. A produção industrial no país caiu 0,6% em outubro, revelou o IBGE há poucos dias. A queda no ritmo da atividade foi verificada em 20 dos 27 ramos pesquisados. Em relação ao mesmo período do ano passado, o declínio foi de 2,2%, registrando a menor taxa desde outubro de 2009. Mais que os números pontuais, a expectativa de crescimento demonstra a incidência da crise: nosso PIB não deve alcançar mais que 3% de alta em 2012, bem diferente das projeções iniciais, que giravam na casa dos 5%.
Todavia, tal qual na turbulência de 2008, estamos mais preparados do que a maioria dos outros países. E tudo começa pelos marcos macroeconômicos de que dispomos, firmado especialmente num denso colchão de reservas e num sistema financeiro regulado, capitalizado e com baixa alavancagem. Apesar dos custos ainda elevados no setor público, a exigência de responsabilidade fiscal freou a lógica de governos que gastavam muito e para além de seus períodos de mandato. Nossos bancos públicos têm potencial para colaborar no enfrentamento da crise. A inflação está contida, até pelo desaquecimento que se vislumbra. A própria taxa de juros, que continua sendo a mais elevada do mundo, agora permite um espaço de redução suficiente para ativar a economia e mantê-la aquecida. O compulsório retido, em torno de R$ 400 bilhões, são valores que podem ser liberados a qualquer momento para que o crédito não se restrinja a ponto frear demasiadamente o consumo.
Temos outros diferenciais significativos. O país já é autossuficiente em energia, expandindo a exploração de petróleo e de fontes alternativas. Nossa matriz energética é diversificada. Somos grandes produtores de alimentos, algo que crise alguma é capaz de arrefecer. E, especialmente, dispomos de um mercado interno ativo e em expansão, cujo poder de compra tem crescido nos últimos anos. Por fim, ainda teremos dois eventos esportivos gigantescos – a Copa do Mundo e as Olimpíadas –, que trarão investimentos e um novo interesse do mercado turístico mundial.
Entretanto, será preciso muita atenção no desenrolar dos acontecimentos e, ao lado disso, uma dosagem correta dos remédios econômicos. As medidas de incentivo e desoneração anunciadas até aqui pelo governo federal são positivas, mas têm alcance apenas limitado. Há outros setores que também podem ser beneficiados sem qualquer risco para o equilíbrio fiscal. Pelo contrário: o aumento de consumo – já se provou inúmeras vezes – acaba gerando mais arrecadação no médio prazo. Além disso, não se pode inverter a tendência recentemente inaugurada de reduzir a taxa de juros, que continua sendo a mais alta do mundo. As condições ainda dão segurança para uma boa margem de corte.
A crise está posta. Veio de lá, mas já chegou cá. Cumpre-nos torcer para que a Europa se entenda e encontre um bom caminho. Mas, ao mesmo tempo, devemos agir com rapidez e eficiência para manter a atividade do nosso mercado interno e alcançar taxas razoáveis de crescimento. Para isso, é indispensável persistir em duas direções: tanto na queda da taxa Selic quanto no estímulo ao aquecimento do consumo. O melhor antídoto para um turbilhão que vem de fora é cuidar bem do que de mais valioso temos aqui dentro. Ou seja: nossos setores produtivos e nosso público consumidor.
Como se vê, somos detentores de diferenciais exclusivos, indisponíveis para outras nações. Claro que, se tivéssemos experimentado um avanço maior através de reformas estruturais – como a política e a tributária, além da revisão do pacto federativo –, nosso patamar seria ainda mais qualificado. Mesmo assim, há fundadas evidências de que o Brasil está vivendo um momento de protagonismo e pode sair da crise ainda mais fortalecido. Muitas oportunidades podem advir disso. É o que se viu em 2008, é o que deverá repetir-se agora.
Portanto, temos incontáveis motivos para ingressar em 2012 com muito otimismo. Um otimismo calcado na realidade. É preciso acompanhar o andar da carruagem da crise global, sem descuidar dela um minuto sequer. Por óbvio que há incertezas e temores no caminho, até porque a União Europeia, por exemplo, parece não ter encontrado seu rumo – e tudo isso tem repercussões em todo o mundo. Mas precisamos comemorar as conquistas acumuladas, avançar em novas direções e manter o que está dando certo. Há muitos desafios a enfrentar, mas muitas vitórias a celebrar. O Brasil pode acreditar no ano novo e cabe a nós ajudar a cada dia na construção de um país melhor e mais justo.




