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17.10.2011

Turbulências no caminho

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As recentes notícias da Europa e dos Estados Unidos subsidiam um prognóstico muito claro – e nada alentador: vem mais crise por aí. Em outro sinal da crescente desconfiança sobre os bancos europeus, a agência de classificação de risco Moddy’s rebaixou as notas de 21 instituições financeiras, sendo 12 do Reino Unido e nove de Portugal. O Fundo Monetário Internacional (FMI) fez um alerta de que a recapitalização dos bancos é necessária para que continuem fazendo empréstimos uns aos outros.

Esse temor todo gera um efeito cascata nos EUA, cujo sistema financeiro está fragilizado: de acordo com o Serviço de Pesquisas do Congresso Americano, a exposição dos bancos locais à crise das dívidas europeias gira em torno de U$ 640 bilhões, o que equivale a 5% dos ativos bancários do país. É como uma bola de neve que leva consigo tudo o que vê pela frente.

Em verdade, essas instituições realmente precisariam ser socorridas. O grande problema é que seus países, por uma situação fiscal complicada – envolvendo altos déficits e baixa capacidade de endividamento –, estão com poucas condições de realizar essa ajuda. E é exatamente nisso que reside o epicentro do turbilhão atual. Em 2008, com a quebra do Lehmann Brothers, o governo injetou pesados recursos para segurar a onda dos mercados. Agora, tal possibilidade já não mais existe.

Infelizmente, como se verifica hoje, as lições parecem não terem sido aprendidas. As agências de rating continuam dando duvidosos palpites. As empresas de auditoria permanecem assinando balanços de maneira pouco criteriosa. E o pior de tudo é que os governos das maiores potenciais mundiais, em que pese algumas modificações pontuais, não mexeram num dos pontos essenciais tanto daquela quanto desta crise: a falta de regulamentação do sistema financeiro.

E o paradoxal disso tudo é que exatamente da Europa e dos EUA vinham as grandes “receitas de bolo” para as economias dos países emergentes. Banqueiros e especialistas passavam teorias prontas para a evolução dos BRICs. Executivos condenavam a suposta irresponsabilidade de nações como o Brasil. Duvidavam de alguns indicadores, desdenhavam de certos avanços, olhavam o progresso com o nariz torcido da incredulidade. Enquanto isso, debaixo de seus próprios olhos, ocorria uma grave crise sistêmica que iria atingir todo o universo corporativo. E suas próprias finanças se revelaram falsamente sólidas: organizações podres, títulos sem lastro, carteiras de créditos corrompidas, executivos com proventos exorbitantes.

A grande diferença quanto à nossa consistência para enfrentar a crise está numa lição simples que o Brasil passou a seguir rigorosamente há quase duas décadas: sistema financeiro regulado, capitalizado e com baixa alavancagem. Responsabilidade micro e macroeconômica. Claro que isso não significa que estejamos imunes. Além de não haver ilhas de isolamento na economia global, mantemos sérios defeitos estruturais que, se sanados, tornariam nossa economia mais ativa e competitiva. Porém, ainda assim temos mais musculatura para autodefesa.

A Europa e os Estados Unidos precisam começar a fazer o dever de casa, principalmente no que concerne a regular seus sistemas financeiros. A propósito, esse foi um dos compromissos que o presidente Obama assumiu durante a campanha eleitoral, e não está conseguindo cumprir – o que figura dentre os motivos de seu desgaste. Claro que ele não é o culpado por anos seguidos de equívocos, muitos dos quais patrocinados pelos republicanos, mas quem exerce o poder não pode eximir-se de enfrentar a realidade tal qual ela está posta. É preciso agir logo e certo, ou todo o mundo continuará pagando essa conta, inclusive quem nada tem a ver com ela – como é o nosso caso.