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15.08.2011

Uma crise que descortina verdades

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Toda a crise financeira de alcance global, em que pese o turbilhão que provoca, tem relevante valor pedagógico. Esta que recentemente entrou em curso não é diferente. Ela derrubou o que, para muitos, ainda era um mito: a estabilidade econômica das nações desenvolvidas. E a idealização se quebrou especialmente no que concerne à responsabilidade fiscal. Tanto os problemas norte-americanos quanto os europeus têm no seu epicentro a falta de equilíbrio entre receita e despesa públicas.

O paradoxo reside exatamente aí: o receituário que o mundo desenvolvido exigia para emprestar dinheiro às nações pobres e emergentes sempre pressupôs o contrário do que eles mesmos praticaram. É sabido e consabido, por exemplo, que metas de superávit primário foram uma das condições essenciais para que o FMI e os demais órgãos financeiros internacionais alcançassem recursos. E isso era motivado por uma compreensível lógica pragmática usada por quem oferta crédito: a expectativa de receber o retorno corrigido do valor financiado.

Como agora se vê claramente, os Estados Unidos e algumas das principais potências europeias agiram, anos a fio, com irresponsabilidade fiscal. Pretenderam cuidar das finanças do mundo, mas não olharam para seus próprios números domésticos. Por trás do imbróglio econômico, eis que também cai a imagem de uma classe política cívica e mais avançada, feita de estadistas que colocam interesses nacionais acima de questões partidárias. Ora, o festival de insensatez na recente disputa entre republicanos e democratas, no Congresso dos EUA, é símbolo de tudo o que qualquer país não pode fazer em tempo de crise. No lugar de cooperação, compreensão e unidade patriótica, o que se viu foi uma avalanche de oportunismo. Enquanto isso, a nação periclitava.

Pior: basta olhar o noticiário internacional para constatar que a ficha ainda não caiu. As medidas de ajuste não são mais do que tímidas e meramente conjunturais. Não se percebe uma política profunda de aumento de receitas e muito menos de corte de despesas. Os grupos políticos locais, cada qual com seus apegos ideológicos, bloqueiam iniciativas numa ou noutra direção: democratas resistem ao enxugamento, republicanos torcem o nariz para maior arrecadação.

Parte da conta de tamanha irresponsabilidade política e financeira será debitada para os países emergentes, que não deram causa aos problemas internos dos desenvolvidos e não têm obrigação de resolvê-los. Isso não significa que haverá uma imediata inversão da supremacia desses em relação àqueles. As grandes potências mundiais continuarão exercendo grande influência global e têm grandes méritos em diversos aspectos: a distribuição de renda mais igualitária demonstra isso. Porém, é certo que essas nações precisarão estabelecer um novo patamar de ação macroeconômica, corrigindo equívocos e lambendo as próprias feridas. A nós cabe não cair nos mesmos erros e agir eficácia para evitar os efeitos que respingarão por aqui.