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6.06.2016

Os municípios e uma nova lógica federativa

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Começo este artigo convidando ao leitor para um exercício de lógica. Um município próspero social e economicamente, gerador de impostos e com grande capacidade produtiva decide fazer alguns poucos quilômetros de asfalto e ampliar o número de creches para crianças. O prefeito, porém, para conseguir dinheiro com essa finalidade, precisará comprar passagem com destino a Brasília. É lá, a centenas de quilômetros, que o gestor municipal busca verbas para viabilizar as obras. Terá de garimpar de um gabinete a outro, da Esplanada dos Ministérios ao Congresso nacional. Ou seja: terá que percorrer o mesmo caminho que os impostos, gerados em sua cidade, já fizeram. E, se for bem sucedido nesta verdadeira ginástica política, conseguirá trazer uma parte do que entregou. Então, se a burocracia central permitir, a próspera comunidade terá as obras que deseja.

Pergunto: isso tem alguma lógica? É razoável que um prefeito não consiga sequer fazer estradas ou construir uma creche em sua cidade? Claro que não. Tal modelo é a antítese de um país que nasce das comunidades, de baixo para cima, da população para o poder, da base para o topo. Toda a nossa concepção federativa está invertida. Os poderes e os recursos, ao longo do tempo, foram se concentrando demasiadamente na Capital Federal. E se isso é ilógico para um município produtivo, não é menos para um carente. A população pobre, normalmente com menor representatividade política, é quem paga o preço mais caro dessa contradição.

A Constituição de 1988 desenhou esse Brasil mais descentralizado, como realmente é o nosso país. Entretanto, artimanhas e arremedos tributários foram fazendo com que União abocanhasse cerca de 65% do bolo tributário nacional. Além da verba, também foram sendo concentradas as decisões – de modo que é lá em Brasília, e não no município, que, por exemplo, se decide se o tal asfalto ou a tal creche realmente vão acontecer. A autonomia das comunidades quase que se reduziu ao voluntariado e ao pouco que os governos locais conseguem, por meio das receitas próprias, colocar em prática.

Até hoje, mal ou bem, tal situação foi sendo administrada. Todavia, estamos vivendo o esgotamento desse ciclo. Não é por outro motivo que diversos prefeitos, mesmo com grande potencial eleitoral, estão desistindo de concorrer. O mesmo vale para deputados e outros líderes de expressão que, do ponto de vista político, teriam um caminho bem palmilhado. Ser prefeito, atualmente, virou a atividade pública de mais alto risco. Primeiro, pelas exigências imensamente superiores às possibilidades das prefeituras. Segundo, pelo rigor com que muitas vezes são julgados os atos dos prefeitos, sem similaridade em processos de outros entes. Terceiro, pela própria depreciação da atividade política como um todo.

Um país como o nosso precisa de programas federais, sem dúvida. Mas o protagonismo da política deve estar onde se dá o protagonismo da vida, isto é, nos municípios. Só que, hoje, as cidades estão praticamente sem dinheiro para investir. Claro que as gestões locais não são imunes aos erros e aos desvios. Porém, quanto mais distantes das pessoas estiverem as decisões e os recursos, maiores serão as chances da corrupção e dos equívocos administrativos. A Federação brasileira precisa reencontrar a lógica. Isso significa definir de maneira mais equânime os papeis públicos e as responsabilidades respectivas pelos seus financiamentos. Significa estimular que os cidadãos, por meio de suas cidades, tenham mais capacidade de autogoverno. Um novo pacto federativo pede passagem.