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23.11.2015

Um debate de conteúdo

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O PMDB divulgou, no final do mês de outubro, um documento que chamou de “Uma ponte para o futuro”. Produzido pela Fundação Ulysses Guimarães, as 19 páginas apontam caminhos para que o Brasil saia da crise em que se encontra. A agremiação propõe uma agenda para o país, partindo de um chamado à unidade nacional para chegar a propostas de mudanças conjunturais e estruturais. Mesmo que se possa discordar de alguns pontos da publicação, o fato é que o partido conseguiu, depois de muito tempo, efetivamente contribuir para o debate nacional. Colocou conteúdo sobre a mesa da política.

O ponto de partida está correto: o país clama por pacificação, pois o aprofundamento das divisões e a disseminação do ódio e dos ressentimentos estão inviabilizando quaisquer consensos políticos, sem os quais nossas crises se tornarão cada vez maiores. Até mesmo o ex-presidente Lula, há poucos dias, em entrevista à Globo News, falou sobre a necessidade de formar maioria política, mesmo que transitória, para produzir decisões no Congresso Nacional, especialmente a aprovação de algumas medidas do ajuste fiscal. É um desafio de habilidade política, missão que cabe ao atual governo.

A reflexão peemedebista também coloca luzes sobre a necessária discussão do tamanho do Estado. Mas, no lugar de entrar na estéril banalização ideológica, o partido defende um aparato estatal funcional, capaz de distribuir os incentivos corretos para a iniciativa privada e administrar, de modo racional e equilibrado, os conflitos distributivos que existem na sociedade. Vê que o nosso atual sistema vai continuar produzindo crises fiscais se não passar por profundas mudanças constitucionais. E critica a carga tributária brasileira, que cresceu muito nos últimos 25 anos.

No âmbito do desenvolvimento, o documento diagnostica a necessidade de reformas legislativas como primeiro passo da jornada. Um novo ciclo só será possível com uma grande virada institucional e a garantia da sustentabilidade fiscal, afetando positivamente as expectativas dos agentes econômicos, a inflação futura, o nível da taxa de juros e todas as demais variáveis para a estabilidade financeira e o crescimento econômico. O tripé de qualquer ajuste duradouro consiste na redução estrutural das despesas públicas, na diminuição do custo da dívida pública e no crescimento do PIB. Ou seja, o ajuste fiscal deve focar no desenvolvimento, e não ser um fim em si mesmo.

Outro viés importante do posicionamento é a defesa das parcerias de natureza público-privada, especialmente na área de infraestrutura. Isso só será possível por meio de modelos de negócio que respeitem a lógica das decisões econômicas privadas, sem intervenções que distorçam o mercado. A tese também pede a ampliação das parcerias internacionais, aumentando nossa fronteira comercial, inclusive no setor de agronegócio. Trata-se de algo que também tenho apontado em meus espaços. Enquanto o mundo estabelece grandes acordos, o Brasil decidiu jogar apenas pela dinâmica do Mercosul. Isso não é suficiente. Podemos e devemos estabelecer mais tratados comerciais, inclusive por meio de acordos bilaterais.

A proposta do PMDB analisa ainda a questão previdenciária, os juros, a dívida pública, o orçamento e outros aspectos. Propõe uma série de mudanças e convida o país para construir uma ponte em direção ao futuro. Claro que esse posicionamento partidário pode virar apenas tese, letra morta de um texto espasmódico e incomum. Também corre o risco de, mostrando musculatura, fazer a agremiação reforçar o fisiologismo que tem marcado boa parte da sua história do partido nas últimas décadas. Mas pode ser – por que não? – o início de uma nova postura institucional, mais protagonista e propositiva. A iniciativa da Fundação Ulysses Guimarães foi meritória, sem dúvida. Sempre disse que o PMDB tem muito mais a contribuir com o país. E o debate de conteúdo é um bom começo.