Artigos em Destaque

 

8.06.2015

Recuperando o sentido dos bancos públicos

por

 

O Brasil foi promissor, inclusive na comparação com a Europa e aos Estados Unidos, em relação à regulamentação do sistema financeiro, seja público ou privado. O Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) e o Proes (Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária), lançados na década de 90, não sem muita polêmica, acabaram criando esse lastro que é uma das bases macroeconômicas do país. Porém, não impediram que uma série de lacunas subsistisse.

Por exemplo: o sistema de taxas cobradas pelas instituições financeiras, evoluindo ao que já existe, precisa de um regramento capaz de dar maior proteção ao consumidor. Esse reclame é geral entre os clientes bancários brasileiros. E, note-se, não estamos falando de um setor que passe por dificuldades e precise desse aporte para subsistir. Claro que a introdução de novas regras não pode afetar a livre concorrência, mas está provado que, não raras vezes, as tarifas cobradas ficam aquém do serviço ofertado pelos bancos.

Outro aspecto, no qual quero centrar esta análise, é a incapacidade de os bancos públicos conseguirem promover desconcentração econômica. Esse é um dos principais sentidos da existência de instituições financeiras vinculadas ao Estado. Não nasceram para agir como coadjuvantes da disputa comercial, senão que para ter uma atuação mais abrangente. Entretanto, dados revelados recentemente mostram que, pelo menos no caso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social |(BNDES), a concessão de empréstimos tem privilegiado poucas organizações empresariais.

O banco foi obrigado a abrir dados de suas operações em virtude de recente decisão do Tribunal de Contas da União (TCU). E a análise dos documentos mostra que, entre 2012 e 2015, 1.160 pessoas jurídicas firmaram negócios diretos e indiretos – nesse último caso, passam pela aprovação da instituição. Mas apenas 57 empresas ficaram com 52,5% do total contratado no período. Isso significa, então, que 5% dos clientes ficaram com mais da metade do valor disponibilizado. O seleto grupo operou R$ 168,775 bilhões de um total de R$ 321,345 bilhões. Convenhamos que é um flagrante desvirtuamento da missão de um banco público de fomento.

Levantamento feito pelo jornal O Globo revelou ainda que, entre as 57 empresas, há algumas de um mesmo grupo econômico, que obteve para si, no total, cerca de R$ 1 bilhão. Nenhuma outra categoria chega perto da soma dos contratos dessa companhia – nem mesmo governos, que contratam o financiamento de grandes obras de infraestrutura e saneamento. Entre 2012 e 2015, 66 entes públicos, como prefeituras, ministérios e governos estaduais, obtiveram R$ 52,728 bilhões, ou 16,4% do total. Outras 1.037 empresas e instituições dividiram os 31,1% restantes, ou R$ 99,842 bilhões.

Não há problema em financiar grandes grupos econômicos, até porque os efeitos desses negócios repercutem em diversos setores. A questão entorta quando se constata um evidente favorecimento de tais potências em detrimento às micro, pequenas e médias empresas. Um banco público, com capilaridade e inserção social, deveria chegar aos recônditos do país, contemplando empreendimentos com potencial de crescimento e redistribuição de renda – até porque as organizações dessa estatura são as que mais precisam de apoio. Também deveria agir no direcionamento de setores estratégicos, como o da tecnologia da informação.

Os dados do BNDES ainda serão analisados com mais detalhe. Deveriam ter sido públicos desde sempre, por princípio institucional, ressalvadas as confidências convencionais do mercado. Mas, esse desvelamento, mesmo que gere algum desgaste, abre uma oportunidade de reposicionar todos os bancos públicos para o sentido que os fazem existir.