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25.05.2015

Necessário, mas longe do ideal

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A tesourada de quase R$ 70 bilhões no Orçamento da União foi a maior da história. Mas ela traz consigo uma lição que a própria história já ensinou: não há sustentabilidade econômica de uma nação sem equilíbrio fiscal. O Brasil, entretanto, mesmo com os diversos solavancos pelos quais passou antes de conquistar sua estabilidade, parece não ter assimilado completamente essa pedagogia.

Hoje, claramente, estamos pagando por erros do passado recente. A diminuição de tarifas públicas e a ampliação desmedida de alguns programas de benefício tiveram um claro viés clientelista. E a conta chegou. O equilíbrio não é só pressuposto macroeconômico. Também nenhuma política social sobrevive se as receitas não estiverem condizentes com as despesas. Não é difícil de entender. A conta precisa fechar.

A construção do orçamento público tem técnicas, mas é um exercício de projeção. Aceita, como tem ocorrido, algumas manobras. Todavia, quando se está diante de um problema de liquidez – isto é, de dinheiro propriamente dito –, não há mais o que fazer. E é nesse ponto em que estamos. A ideia do governo agora é simples. Aposta num sacrifício de curto prazo para uma recuperação de médio prazo. Organismos globais, como o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), compreenderam e aprovaram as medidas. O mesmo se pode dizer de outras influentes agências de análise.

Claro que essa apreciação não é decisiva para os rumos do país. Não custa lembrar que tais instituições têm estratégias contestadas, e não foram poucas as vezes em que erraram em seus diagnósticos, receitas e prognósticos. Entretanto, não se pode desconhecer que a interpretação internacional é decisiva para manter o Brasil no radar de investimentos. Também ajuda a resguardar os papeis de empresas nacionais que atuam no mercado de ações.

Mas considero imprudente projetar, já para o segundo semestre, um cenário de retomada – como têm feito alguns setores do governo federal. O realismo é mais indicado do que o falso otimismo. Ora, diversos especialistas entendiam que o contingenciamento deveria ter sido ainda maior. O próprio ministro Joaquim Levy, da Fazenda, teria defendido essa tese, segundo especulou a imprensa. O fato é que, mesmo fazendo o maior corte já havido, o governo terá dificuldade de alcançar o superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), com o qual se comprometeu. Não é de se duvidar, diante disso, que novas tesouradas sejam anunciadas, senão até mesmo aumento da carga tributária.

Ao analisar as restrições anunciadas, essa possibilidade se reforça. As diminuições orçamentárias, em sua maioria, estão nos chamados gastos discricionários, envolvendo principalmente investimentos que o governo tem autonomia para executar de acordo com sua previsão de receitas. Só o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) perdeu R$ 26 bilhões. O Minha Casa Minha Vida, R$ 6 bilhões. Como se vê, a perspectiva de o Estado induzir o crescimento, por meio de investimentos próprios, fica reduzida.

Pois bem. O ajuste é necessário, e quase todos estamos cientes. Mesmo que enseje uma séria discussão sobre erros do passado, o remédio era necessário numa ou noutra medida. Pena que, mais uma vez, o governo não tenha produzido cortes objetivos em sua estrutura de custeio e no tamanho do Estado, especialmente em atividades meio.

No delicado momento político e econômico em que nos encontramos, tal sinalização teria sido importante. O aparato público inchou muito nos últimos anos. O descontrole aumentou. A quantidade de cargos de livre nomeação, além de não ter qualquer critério, chegou às exorbitâncias. Nada de central nesse aspecto foi tocado.

Outro dado a lamentar é que, mais uma vez, ingressamos numa crise com ações de combate meramente conjunturais. Nada de estrutural está sendo feito ou mesmo planejado. A reforma tributária de que falam, na verdade, só tem alcançando o debate sobre o ICMS. Isso está longe de ser uma mudança profunda. O pacto federativo e a reforma política, por sua vez, também não fazem parte do ânimo político atual.

As medidas anunciadas, portanto, podem evitar que o Brasil entre numa crise ainda mais aguda. Mas elas não são a tábua de salvação para o futuro. Longe disso. Para voltar a crescer a níveis condizentes, o país precisa reformar a si mesmo. Com mais profundidade. Com decidida vontade política. Com coragem para enfrentar resistências. Com disposição para criar num novo patamar de desenvolvimento. Essa é a verdadeira trilha para um caminho de sustentabilidade, equilíbrio e crescimento.