11.05.2015
Mendes e Luiz Henrique: sobre amizade, política e democracia
por Germano Rigotto
A passagem de Mendes Ribeiro Filho e de Luiz Henrique da Silveira faz pensar sobre uma porção de conceitos preestabelecidos no senso comum. O primeiro é o de que na política não há amizade. Não é verdade. Os dois eram, cada um a seu modo, fraternos amigos – para muito além das pequenas e grandes vicissitudes do poder. A morte de ambos, no mesmo final de semana, me é presente e significativa demais. Preciso contar sobre eles. Dizer de personalidades que se destacaram mesmo neste sistema político e eleitoral tão contraditório, que não canso de criticar. Preciso sublinhar que a determinação pessoal pode construir grandes histórias, mesmo diante das maiores adversidades.
Mendes, gaúcho como eu, foi Constituinte ao meu lado no final dos anos 80. Hábil negociador, grande tribuno, era carismático mesmo quando sério. Afetivo e agregador. Fomos deputados federais e estaduais juntos. Quando fui lançado candidato a governador, e meu nome ainda não aparecia bem nas pesquisas, foi dos primeiros a apoiar-me com firmeza. Confiando no olhar de figuras como ele, construí o projeto vitorioso de então. Não foi diferente nas demais oportunidades, quando trabalhei pelo protagonismo do PMDB nacional.
Mendes sabia como poucos que política é gente. E que, por isso mesmo, qualquer caminho deve passar por longos processos de contraditório, convencimento e diálogo. Acordos quase nunca são espontâneos, precisam ser costurados. E ele tinha essa capacidade imensa de agregar. Tudo o que fazia buscava um sentido maior, voltado para a elevação da política e da democracia. Não foi por outro motivo que deixou marcas por onde passou, seja no Parlamento, no Governo do Estado, onde foi secretário, ou no Ministério. Marcas, lembranças e amizades.
Luiz Henrique, vizinho de Santa Catarina, foi uma figura diferenciada. Perdi um irmão, alguém com quem tinha a liberdade recíproca de trocar conselhos. Era um companheiro de todas as horas. Nossas trajetórias e visões se equiparavam muito. Fomos deputados federais e governadores ao mesmo tempo. Comungávamos firmemente a visão de um PMDB forte, com projeto nacional, sem ser reboque de governos. Lutamos juntos para livrar o partido dos rótulos do fisiologismo e do clientelismo que lhe impuseram. LHS enfrentava, bradava. Era valente, convicto do que pensava. Não desistia. Há pouco, disputou a presidência do Senado, mesmo sabendo de sua pouca chance matemática de vitória.
Ele foi um dos maiores entusiastas do lançamento do meu nome à presidência da República, durante o período em que eu era governador do Rio Grande do Sul. Mesmo sabendo dos riscos, decidi encarar as prévias do PMDB, muito em virtude do incentivo de Luiz Henrique. Mais do que lançar-me, ao lado de lideranças de diversos estados, ele formou uma rede de apoio que me fez o candidato mais votado daquela disputa, concorrendo contra o ex-governador do Rio de Janeiro, Antony Garotinho. As formalidades derrubaram a vontade das bases partidárias, mas LHS me ajudou a marcar posição sobre o perfil de partido que desejávamos para o país.
Estive ontem nos atos fúnebres do Mendes. Nesta segunda, estou em Joinville despedindo-me de Luiz Henrique. Quero abraçar amigos e familiares. São duas perdas fortes. Claro que a sociedade, diante de um sistema tão contraditório, tem justificadas razões para estar cansada da política. Mas, debruçado e triste sobre a figura de dois parceiros que se vão tão cedo, reforço a convicção de que a política segue sendo a melhor descoberta da nossa civilização democrática. E também revigoro o testemunho, para tantos quantos possam ouvir, de que generalização alguma pode ser injusta com figuras como essas duas – dentre outras que permanecem entre nós. Há, sim, quem honre a história.
Sei que meus amigos também tinham seus defeitos – quem não os tem? Mas, quando me pedirem uma referência sobre posicionamento político, gestão pública, rumos do PMDB, postura republicana e assuntos afins, vou sugerir que pesquisem as histórias de Mendes Ribeiro Filho e Luiz Henrique da Silveira. Também sobre amizade, assunto pelo qual comecei a escrever esse texto. E pelo qual, igualmente, encerro – sentimento maior que posso oferecer. Que saibamos, enfim, honrar a altivez pessoal e a luta política de ambos.




