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13.06.2011

Judicialização: amargo remédio da omissão

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O Brasil vive, não é de hoje, o fenômeno da judicialização da política: questões que deveriam ser normatizadas nas instituições representativas da sociedade, especialmente no Legislativo, acabam transferidas para o Poder Judiciário. Isso normalmente ocorre por omissão do próprio Parlamento, que dá as costas para certas pautas públicas e permite o surgimento de lacunas legais. Acionados pela população, juízes precisam resolver casos concretos e, por vias inversas, passam a legislar – numa flagrante inversão do nosso sistema positivista. O direito onde a jurisprudência é preponderante, como no caso do common law, se legitima através de juízes eleitos. E essa não é a lógica da nossa organização democrática.

Contudo, se é verdade que ao Judiciário não caberia legislar, o fato é que, quando o faz, muitas vezes acaba suprindo alguns vácuos e resolvendo pendências históricas que os parlamentares já poderiam ter sanado. É uma contradição que acaba gerando efeitos positivos em situações específicas. A recente decisão do Supremo Tribunal Federal, envolvendo benefícios fiscais relativos ao ICMS, se encaixa nesse caso. O colegiado declarou inconstitucionais leis e decretos – de seis estados e do Distrito Federal – que concediam incentivos a determinadas empresas. O STF deixou claro que os entes estaduais não podem outorgar tais vantagens de modo individual, senão que através de convênios firmados de forma unânime pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). É um julgamento que tende a alterar o quadro da guerra fiscal, arrefecendo uma disputa que atualmente ocorre sem definição de regras e parâmetros.

Isso não significa que a isenção de incentivos fiscais deva terminar. Essa alternativa tem sido uma ferramenta relevante, por exemplo, no combate às desigualdades regionais. E possui potencial para ser ainda mais. O que não pode é haver zonas de sombras, como hoje acontece. É possível criar uma modalidade, dentro dos orçamentos públicos, que indique uma margem limítrofe para atrair investimentos, envolvendo não só tributos, mas também metas de infraestrutura, logística e formação de mão de obra. Está evidente, além disso, a necessidade de disciplinar os incentivos que perpassam governos, de modo a gerar segurança jurídica para quem empreende e para o próprio governante. Por outro lado, é preciso ter regras claras de contrapartida e de ressarcimento em caso de descumprimento contratual por parte do beneficiário.

Mudanças no nosso sistema tributário nacional é que deveriam pontuar esse equilíbrio, mas a inércia do Executivo e do Legislativo acabou fazendo com que o Judiciário interviesse. Mesmo mal: apesar de ser uma discrepância em termos formais, a decisão tenderá a acelerar a busca de soluções para a guerra fiscal. Ao julgar 14 ações sobre esse tema, o STF firmou um entendimento que vai repetir-se nas diversas demandas judiciais que se acumulam com o mesmo objeto. No lugar de judicializar a política, porém, o ideal seria que cada poder constituído, em vez de omitir-se, fizesse o que lhe compete.