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16.03.2015

Recado dado

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O Brasil deu novos sinais de maturidade democrática. Foi isso que constatamos nas últimas manifestações populares – seja a de sexta, de apoio à presidente Dilma, seja a de domingo, de contrariedade. A primeira teve o protagonismo maior de sindicatos e movimentos sociais identificados com o governo. A defesa da Petrobrás e do resultado eleitoral foram a tônica dos atos. As aglomerações de domingo, bem maiores, reuniram perto de dois milhões de pessoas. Além da crítica ao atual comando do país, a maioria dos participantes bradou pelo combate à corrupção. O dado em comum entre ambas foi a ausência de vandalismo ou de violência de qualquer espécie. Tivemos protestos pacíficos.

Claro que, no meio de tanta gente, houve os absurdos pedidos de intervenção militar. Trata-se de uma contrariedade à Constituição Federal. Não só isso. É também pedido abjeto. Mas, de tão esparsos, esses pleitos não ofuscaram o propósito oposicionista das marchas. Se a mobilização queria acuar politicamente o governo, não resta dúvida de que conseguiu. A presença popular foi eloquente. Os partidos políticos figuraram como meros coadjuvantes. O que se viu mesmo foi o levante de pessoas, notadamente de classe média, contrariadas com os rumos do país. Gente que saiu legitimamente a protestar.

Há uma recessão que se avizinha. O cenário internacional contribuiu para isso, mas os erros do próprio governo foram os grandes responsáveis. O Brasil foi perdendo sua capacidade de ativação econômica ao mesmo tempo em que os gastos públicos não diminuíram. Hoje ocorre um esgotamento nas duas searas, isto é, na pública e na privada. Os mecanismos de combate à corrupção se mostraram ineficientes. O governo não apresenta capacidade de lidar com sua base parlamentar, mesmo tendo optado por manter o absurdo número de quase 40 ministérios. Tivesse cortado ao menos 15 deles, teria criado uma importante sinalização para a sociedade, sem aumentar em nada seus problemas de ordem política.

No meio disso tudo, existe também certo oportunismo político. Setores da oposição criticam qualquer espécie de reação vinda da equipe econômica. Mas todos sabem que, senão a totalidade, pelo menos grande parte das medidas capitaneadas pelo ministro Joaquim Levy são necessárias, mesmo que duras. Qualquer presidente que tivesse assumido, fosse ele da situação ou da oposição, iria seguir um rumo semelhante se quisesse manter a sustentabilidade econômica do país. Tomara que a disputa política não prejudique os acertos mais recentes.

Mas o governo precisará entender o recado das ruas. A sinalização dos ministros Miguel Rossetto e José Eduardo Cardozo, na coletiva do domingo à noite, foi nesse sentido. Resta saber se, na prática, a gestão da presidente Dilma terá habilidade e condições de colocar em andamento uma agenda que retire o país da crise. O histórico recente mostra que o governo tem se comunicado mal, demorado para agir ou agido de maneira equivocada. Esse acúmulo de erros gerou um sentimento de incredulidade, o que acaba prejudicando todos os setores. Como eu disse em artigo recente, o primeiro passo  para sair da crise é reconhecê-la. E, no caso em questão, isso exige uma boa dose de autocrítica.

A síntese dessas manifestações é que ficamos num bom ponto de equilíbrio democrático, ressalvados os exageros de uma minoria. O povo deu o recado. Mas agora a bola volta para o governo. E é assim mesmo que o jogo da política presidencialista acontece: o protagonismo sempre é da Presidência da República. Vale para a bonança, vale também para a tempestade. A população quer paz, mas quer também resultados. E cobrará por isso.