24.03.2014
Caso Petrobras e cultura de gestão
por Germano Rigotto
Por enquanto, só há uma certeza em relação à crise envolvendo a Petrobras na compra da refinaria americana Pasadena: é que a estatal brasileira teve um prejuízo bilionário. Os meandros da negociação conhecidos até agora, embora estarrecedores, ainda deixam muitas zonas de sombra no entorno desse tema. Mesmo que apareça uma explicação mais plausível para tudo isso, o fato é que a empresa já está absolutamente exposta em sua credibilidade perante o mercado – e a população como um todo. E descuidar deste ativo – confiança – gera implicações na própria organização, mas, além disso, em toda a economia. Não é por outro motivo que, muito provavelmente, essa será a pauta das próximas semanas.
Independente do que ainda virá, o episódio escandaliza ainda mais um problema de governança no setor público, aí incluídas todas as derivações institucionais existentes. Há muito tempo que as empresas que pertencem ao governo – ou que têm a participação dele – são geridas com pouca ou mesmo sem qualquer técnica. Muitas foram transformadas em meras coadjuvantes do balcão de negócios de cargos e espaços de poder. Públicas que são, não há contradição que a política permeie seu cotidiano organizacional. Porém, o que muitas vezes vemos é a completa subserviência aos desígnios do poder de plantão.
Uma parte desse dilema envolve o conhecido debate entre técnica e política. Há uma verdade por muitos sabida, mas por poucos praticada: as duas dinâmicas podem conviver, coexistir. Ou melhor: devem. São inúmeros os casos de gestores ineficazes no setor público, embora tecnicamente bem preparados, porque não souberam lidar com o fenômeno social. Faltou-lhes política, no melhor sentido da palavra. Por outro lado, são ainda mais vastos os casos de insucesso envolvendo indicados partidários sem a mínima intimidade com a área que passaram a gerir. Ora, é praticamente impossível dar certo. É por isso que a fórmula equilibrada costuma ser uma solução plausível. Todavia, ainda estamos bem longe de transformar tal condição numa prática convencional no Brasil.
Mas o problema não é apenas a escolha do gestor. As empresas públicas pagam um alto preço pela descontinuidade de direção, que é substituída a cada quatro anos (senão em menos tempo). Embora a transitoriedade, em alguma medida, faça parte da própria natureza do comando dessas organizações, é preciso encontrar uma alternativa de maior perenidade e segurança. O planejamento é a solução mais prática para enfrentar isso, mas poucas vezes é pensado além do curto prazo. E, para grandes mudanças acontecerem, é necessário persistir. Os bons resultados e a solidez demoram a chegar.
Na verdade, o setor público precisa incorporar uma nova cultura de gestão – no sentido mais amplo da palavra. Isso significa assumir compromisso com metas, ser aferido pelo seu resultado, respeitar os quadros e as carreiras, ter métodos e revisá-los quando necessário, adotar a inovação como inspiração permanente, aferir retorno social, motivar os funcionários e pagá-los dignamente. Enfim, agir conforme é correto e merece a sociedade. Precisamos romper a lógica paternalista e conformista, em grande medida ainda impregnada no Estado. É hora de construir estruturas mais eficientes lá na ponta – onde o serviço é prestado ao cidadão.
Claro que o setor público e o privado são diferentes – desde as fontes jurídicas até os focos de atuação. Mas há valores e práticas que podem e devem ser comuns às duas áreas. Não se trata de satanizar a primeira em relação à segunda, mas de buscar o que há de semelhante entre ambas. Essa modernização, há tanto almejada, ao contrário de colocar em risco as estatais, virá para justificar a necessidade de que realmente existam e persistam. O exemplo da Petrobras, que até ontem desfilava solidez e hoje entrou no terreno da dúvida, é definitivo: o Estado brasileiro precisa de uma nova cultura de gestão – em favor da população, mas também em defesa de si mesmo.




