27.01.2014
Economia freada e arrecadação recorde: o que isso significa?
por Germano Rigotto
Arrecadar tributos é da própria essência estatal. O pacto social em que vivemos define que valores são recolhidos entre todos e investidos em bens comuns, priorizando os que mais precisam. A civilização inventou o Estado justamente para exercer essa função em nome da sociedade. O problema está na graduação e na aplicação disso. Embora a tese seja compreensível, sua prática costuma ser contraditória e exagerada.
Basta ver que, na última semana, o Governo Federal anunciou que a arrecadação do país atingiu a cifra recorde de R$ 1,138 trilhão, uma alta real de 4,08% em relação ao ano anterior. Em termos nominais – ou seja, sem atualização dos valores pela inflação – o crescimento foi de R$ 109 bilhões no ano passado. Mas a economia, que teve um pequeno crescimento em 2013, não corresponde a esse acréscimo.
O aumento é ainda mais surpreendente se considerarmos que, em 2013, diversas desonerações ainda estavam em vigor para enfrentar a crise – como a da folha de pagamentos, do IPI de automóveis e da cesta básica. Essa soma gerou um impacto de R$ 77,7 bilhões. Portanto, a arrecadação subiu mesmo com desconto nos impostos e com o mercado freado.
Há que se reconhecer, todavia, que passaram a vigorar novas modalidades do Refis (Programa de Recuperação Fiscal), o que permitiu o ingresso de valores de parcelamento de débitos de empresas e pessoas físicas com o governo. Isso gerou um montante de R$ 21,78 bilhões, cifra que dificilmente ingressaria sem a iniciativa.
Mas, independente desse aspecto, o que tudo isso mostra? Que nosso sistema tributário está muito mais calcado na própria arrecadação do que na ativação econômica. O viés é claramente arrecadatório. Ora, se o Estado proporcionalmente cresceu mais do que o mercado, é sinal claro de que o modelo não está afinado. Porque o Estado existe em função da sociedade, e não o contrário.
E aí a lógica essencial começa a inverter-se. Em vez de fazer por todos, o aparato estatal acaba funcionando como um sugador da energia produtiva do país. Isso fica evidente se compararmos o percentual que a carga tributária representa no PIB. Enquanto no Brasil esse índice chega a 36%, nos demais integrantes dos BRICs, todos países emergentes, não passa de 23%. Na África, por exemplo, os tributos consomem 18% da riqueza do país.
Governo após governo, além de arrecadar muito mais do que a sociedade suporta, os recursos muitas vezes são mal aplicados. A questão dos gastos do Estado é um nó que ainda está longe de ser desatado. Os problemas na saúde e na segurança são as maiores evidências disso. Há uma desproporção na aplicação do dinheiro entre o que é e o que não é prioritário. Uma visão errada induz o aparato público a querer fazer tudo, mesmo o que não sabe ou não deveria fazer, muitas vezes esquecendo ou cuidando mal e pouco do que mais importa. É excessivo onde não deveria estar e omisso onde sua presença é fundamental.
Essa situação provavelmente se potencializará em 2014. Os sinais no horizonte, mesmo que não estejamos falando de caos, dão conta de que a nossa economia continuará crescendo menos do que deveria. E o nosso sistema tributário, por sua vez, com um viés arrecadatório e burocrático, seguirá jogando contra o desenvolvimento do país.
Há muito tempo e diferentes governos, setores conservadores do Ministério da Fazenda e da Receita Federal, além de outros interessados, continuam ganhando o jogo – e tudo permanece como está. E o ano eleitoral é mais um indicativo de que não teremos grandes mudanças estruturais. A menos que as reformas se transformem, verdadeiramente, numa exigência social.




