4.11.2013
Partidos: o problema da significação
por Germano Rigotto
As manifestações de junho colocaram em pauta a questão da representatividade dos partidos políticos. O que as ruas gritaram, na verdade, diversas pesquisas já haviam constatado: as pessoas não se sentem representadas por nenhuma das siglas, mesmo com as cerca de 40 opções existentes no cardápio partidário brasileiro.
O problema da representação (ou da falta dela) é antecedido pelo da significação. Em outras palavras: as legendas deixaram de representar o eleitor médio porque, antes disso, já perderam o significado para ele. Pouco produziram, em termos de ideias e de ações, que pudessem inspirar potenciais liderados. Não conseguem mais despertar esperança e motivar participação.
Trata-se de uma contradição que tem múltiplas causas, mas quase todas são originadas pelo mesmo vício do fisiologismo. Ou seja: a supremacia do interesse de grupos e pessoas, normalmente concretizada em cargos ou verbas, em detrimento do próprio partido – suas ideias, coerência, identidade, bandeiras. Em vez de um locus político, muitas vezes temos apenas um balcão de negócios.
Fazer parte do governo – seja ele qual for – virou um verdadeiro fetiche para parte dos líderes partidários brasileiros. Muitos imaginam como condição para sobrevivência, o que justificaria vender a alma ao poder. Só que, não raro, tal atitude gera justamente o oposto: o ocaso, a morte do partido. Quando se rende ao projeto alheio, uma legenda passa a figurar como mera caudatária do cenário político, abdicando do seu próprio rumo.
O PMDB, infelizmente, é um exemplo disso. Não é o único, mas é o que mais me está próximo, por ser o meu partido, e por isso mesmo tenho liberdade e conhecimento para falar a respeito. O velho MDB, lá de Ulysses Guimarães e de tantos líderes históricos, fez um papel relevante na recuperação da democracia brasileira. Todavia, logo em seguida, aceitou uma condição coadjuvante no cenário nacional, passando a apoiar um governo depois do outro. Ao deixar de regar suas próprias ideias e projetos, foi perdendo o significado no imaginário coletivo.
Claro que não se pode ignorar o papel de indutor ao vício que exerce o nosso sistema. O Brasil adotou uma fórmula mal resolvida: amoldou a Constituição para ingressar no parlamentarismo, mas acabou permanecendo no presidencialismo de coalizão. Desse modo, um governo pode sair das urnas mesmo sem maioria parlamentar. E eis que está montado um cenário apetitoso para a cooptação por meio de cargos e verbas.
O modelo eleitoral também joga contra a renovação. Quem possui mandato detém, às expensas públicas, uma verdadeira máquina de reeleição em seu benefício. E a legislação, sob o pretexto de inibir o poder econômico ou de manter o equilíbrio entre os concorrentes, muitas vezes dificulta o trabalho de quem pretende furar o bloqueio do establishment.
A tentativa de inibir o uso das redes sociais, por exemplo, é um contrassenso absurdo. Num tempo em que o relacionamento digital se impôs como mais uma forma de interação entre pessoas, é preciso liberar e não reprimir essas ferramentas. O excesso de regras e diplomas, como já se viu em diversas experiências, pode engessar a democracia ao invés de fortalecê-la.
Mudar tudo isso não é tarefa fácil ou simples. Quem se beneficia das atuais regras do jogo tende a querer mantê-las. Um caminho viável é a convocação de uma Constituinte Revisora Exclusiva, tese que tenho defendido em minhas peregrinações país afora. Na verdade, creio ser esse o único caminho viável.
Postulo que essa assembleia seja chamada para definir pautas específicas, especialmente as reformas estruturais (tributária, política e pacto federativo), e que tenha prazo definido de um ano para conclusão de seu trabalho. Seus membros poderiam ser escolhidos em concomitância com as eleições de 2014. O eleitor votaria para eleger os congressistas ordinários e os revisores, de caráter extraordinário e temporal. Quem concorre numa, não pode concorrer noutra. Logo, haveria uma tendência em favor de nomes com mais conteúdo e independentes do interesse regional ou setorial.
Todavia, afora eventuais evoluções legais, não devemos abrir mão do papel da militância partidária verdadeira. Ninguém pode substituir essa força. A luta pela recuperação da identidade dos partidos e pela possibilidade de renovação é um trabalho que só terá resultado com persistência e insistência. E mais do que grandes nomes, essa tarefa cabe ao militante consciente, aquele que crê verdadeiramente no papel – na significação – do seu partido e da própria democracia.




