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27.02.2012

Política, consenso e dissenso

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As recentes crises da Europa e dos Estados Unidos têm diferentes facetas entre si. Porém, elas dividem um mesmo pano de fundo: a falta de consensos mínimos entre os líderes de expressão dos respectivos países – governantes, parlamentares, partidos, empresários, sindicalistas, acadêmicos, formadores de opinião e todos quantos tenham influência nos grandes debates nacionais. E isso tudo, necessariamente, reflui para a sociedade. A eclosão de protestos na Grécia comprova que a corda estourou. E, infelizmente, manifestações semelhantes devem espalhar-se para outras nações.

É na economia e na política que esses dissensos tão grandes mostram suas maiores consequências. Veja-se o caso do déficit fiscal enfrentado pelos europeus. Benefícios que geraram um ambiente de estabilidade social no continente não receberam, ao longo do tempo, uma equivalente contrapartida orçamentária. E a conta chegou ao negativo. Resultado: colapso social. A população não quer perder garantias que já assimilou ao cotidiano, mas não há dinheiro, no curto prazo, para bancar a conta em sua integralidade.

A Grécia, por exemplo, está à beira da bancarrota e, mesmo assim, não consegue encontrar pontos de convergência capazes de aceitar alguns apertos e, gradativamente, reconstruir a paz e o equilíbrio. Resta evidente que houve um flerte excessivo com o risco, embasado numa cultura de facilidades. O efeito, que agora se revela de maneira mais clara, é a dissociação entre um desenho de realidade e a realidade propriamente dita.

Nos EUA, republicanos e democratas protagonizaram cenas lamentáveis ao longo dos últimos anos, demonstrando total falta de compromissos cívicos. O voto dos parlamentares de cada partido se guiou pelo interesse eleitoral de curto prazo. Derrotar o adversário tem importado mais do que servir ao país. Bem mais. Um culpa o outro por todos os males existentes, mas nenhum dos campos é capaz de pactuar em torno de referenciais que inaugurem novas pautas. Apesar do protagonismo mundial que possui, faz décadas que os Estados Unidos anda em roda: desintegrou seu parque industrial, não preservou seu sistema financeiro e enredou-se em seu próprio complexo de superioridade – para dizer o mínimo.

Tudo isso derruba o mito de que europeus e norte-americanos são detentores de uma categoria intelectual e civicamente superior. Há, bem se vê, sérios problemas também pelas bandas de lá nesse quesito. Aqui, nas últimas décadas, mesmo com as inúmeras contradições que compõem o cenário de nossas instituições, encontramos algumas bases importantes. A estabilidade política foi uma delas, com a derrubada do regime ditatorial e, mais do que isso, com a rejeição de qualquer discurso de cunho totalitário, seja de esquerda ou de direita. Depois, vieram o consensos em torno da economia. Questionados no começo, esses avançoa acabaram avalizados pelos grupos políticos mais influentes, por mais que ainda precise diversas arrumações.

A política é terreno de divergência. Mas é, especialmente, o palco para que elas sejam resolvidas, compostas. Não é preciso e nem mesmo salutar que terminem, mas cabe aos líderes de expressão fazer com que elas sejam administradas. É para isso que existem, afinal, as instituições. Outra função é comunicar a verdade, algo de que também não cuidaram as economias desenvolvidas que hoje estão em crise. Uma cultura de privilégios se enraizou, e agora a população, compreensivelmente, terá dificuldade de desfazer-se de benefícios. E, para além dos discursos e da constatação dos erros cometidos até aqui, não há solução fora de um contundente ajuste fiscal. Isto é: equilibrar receitas e despesas. O que, como e quando cortar – eis os mínimos acordos que a Europa e os Estados Unidos terão de encontrar.