18.05.2015
Crises e conjunturas
por Germano Rigooto
A economia mundial é feita de ciclos. A história mostra que momentos de recessão e ascensão se intercalam. O que muda, de um país para o outro, é a capacidade de suportar estruturalmente as crises. Se as bases macroeconômicas estão adequadamente estabelecidas, medidas conjunturais conseguem arrefecer os efeitos de turbulências.
Nos últimos anos, entretanto, diversos países, inclusive os desenvolvidos, se mostraram incapazes de suportar os ventos de esgotamento que bateram em suas janelas. A Europa, por exemplo, outrora um oásis do bem-estar social, precisou rever seus conceitos de financiamento dessas garantias e de suporte da previdência pública. Os Estados Unidos descuidou do crédito e endividou sua população, acostumada a um consumo desenfreado. Agora as duas regiões vivem um período de arrumação.
O Brasil, todos sabemos, criou sólidas bases nas últimas décadas. Diminuiu a inflação, constituiu metas fiscais, organizou seu sistema financeiro, adotou parâmetros de responsabilidade fiscal. Entretanto, manteve algumas estruturas da década de 80, especialmente em seu sistema tributário. Avessos a mudanças, setores mais conservadores da área econômica seguraram as diversas tentativas de reforma.
Esse é um preço que seguimos pagando. E não é diferente na atual crise. Diante de uma grave situação fática, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foi escolhido para “domar o touro”, como se diz. E passou adotar uma série de pesadas medidas de austeridade, envolvendo contingenciamento orçamentário, corte de gastos, cancelamento de benefícios e aumento de impostos.
O receituário adotado tem foco na ação imediata. É doído, injusto em muitos aspectos, mas absolutamente necessário em outros. Esse freio de arrumação era necessário depois de um período em que os critérios de gestão econômica sucumbiram diante de manobras fiscais, descontrole de gastos e diminuição seletiva de tarifas públicas com viés eleitoral. Uma lástima.
O problema, entretanto, e aí retomo a abertura desta reflexão, é que novamente estamos diante de um conjunto de medidas conjunturais. Elas tendem a ser eficientes no curto prazo, mas não representam um avanço que vai ficar incorporado ao cotidiano da nação. Vem para enfrentar a crise atual, mas não avança em mecanismos perenes para garantir melhor estabilidade.
O pacote do ministro Levy tem diversos méritos. Mas, além de ser mais um conjunto de ações pontuais, agrava o problema da taxa de juros. Continuamos amargando índices praticamente sem iguais no mundo, o que inibe o setor produtivo e trabalha contra a competitividade do país. Nossa política monetária ainda está longe de encontrar seu ponto de equilíbrio, e parece que esse foco ainda não está no horizonte próximo.
Em algumas entrevistas, o chefe da Fazenda tem falado em reforma tributária. Entretanto, quando é instado a detalhar suas propostas, ele centra sua argumentação na questão do ICMS. Embora uma mudança nesse sentido pudesse colaborar para a diminuição da guerra fiscal, isso está longe de significar uma reforma propriamente dita.
Não se pode chamar desse modo algo que, mais diretamente, atingiria apenas os Estados. Temos que simplificar, racionalizar os tributos federais. Para reformar o sistema tributário do país, é preciso um aprofundamento bem maior nos gargalos que inibem a produção e o emprego. Mas não parece haver, mais uma vez, vontade política para que isso ocorra.
O Congresso também tem colocado em pauta projetos que mudam o regramento do ICMS entre Estado. Mas, mesmo que bem intencionadas, as iniciativas tendem a agravar a guerra fiscal. E pecam pelo mesmo defeito de mexer na pontualidade sem tratar do conjunto da obra. E assim continuamos, de um arremedo a outro, piorando nosso complexo sistema tributário.
É plausível que crises sejam combatidas com medidas conjunturais e anticíclicas. Mas não podemos ficar apenas nisso. Nossa Constituição Federal, aprovada em 1988 e emendada diversas vezes, já carece de um novo tratamento na área tributária. De lá até aqui, a realidade mudou demais para continuarmos com os mesmos parâmetros de então. Não podemos viver de uma crise a outra apenas com remédios de curto prazo. É preciso reformar o país.




