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30.04.2012

Acertos pontuais, possibilidades estruturais

 

O fim da guerra dos portos – aprovado pelo Senado, na semana passada, através da Resolução 72, que unificou o ICMS das importações – é um sinal de avanço. Trata-se de uma solução tributária que torna mais equilibrada a concorrência entre produtos importados e nacionais. Além disso, acaba com artificialidades no uso da infraestrutura de transportes do país.

A decisão dos senadores sinaliza para um movimento que precisa ser mais amplo, em favor de uma reforma tributária que unifique as legislações de ICMS. Não é razoável, tampouco justo, que o Brasil tenha 27 normatizações diferentes em relação a esse tributo, cada estado determinando suas especificidades e um sem-número de alíquotas diferentes. Numa visão federativa e de preservação dos interesses nacionais, é necessário desenhar um único diploma legal para regrar o imposto, com no máximo cinco faixas de alíquota. O resultado da cobrança precisa migrar, gradativamente, da origem para o destino. Essas mudanças vão diluir uma guerra entre os próprios setores produtivos nacionais, que gera, entre outros problemas, muita insegurança jurídica.

A presidente Dilma demonstra preocupação com a questão tributária do Brasil. Ela já revelou claramente isso em diversas entrevistas e, principalmente, em ações de governo. A diminuição de alíquotas através do plano Brasil Maior é um exemplo dessa sua convicção. Todavia, sua gestão não pode conformar-se com medidas pontuais. Deve desenhar mudanças estruturais, que mexam mais a fundo na excessiva carga tributária que recai sobre o trabalho e a produção no Brasil, aumentem a base de cobrança e, em vista disso, estimulem o ingresso no mercado formal e melhorem o resultado dos setores produtivos. Tudo isso vai gerar – senão de imediato, ao menos no médio prazo – a preservação e até o aumento da arrecadação como resultado da redução da evasão fiscal, abrandando temor que sempre mobiliza a área econômica dos governos.

A propósito disso, acompanhei de perto as tentativas havidas nos últimos quatro mandatos presidenciais em relação a isso – dois de Fernando Henrique, dois de Lula. A cena praticamente se repetiu, apenas com atores diferentes. Em ambos os casos, houve sinais para que uma proposta de reforma avançasse. Mas, mesmo com bons consensos alcançados, no final do processo faltou a força política do Executivo. E num presidencialismo de coalização, como o do Brasil, nenhuma proposta substancial, principalmente de alteração da Constituição, passa pelo Congresso sem a ação decidida do próprio governo. É ele que dispõe de força  para, mobilizando sua base de apoio, quase sempre, fazer valer suas intenções.

Há de se vencer o conservadorismo e o corporativismo que ainda vige em certos segmentos da área econômica. A resistência é motivada, acima de tudo, pelo temor da perda de receita e de poder. Basta ver que a arrecadação federal somou R$ 82,36 bilhões em março, o que representa novo recorde histórico para o terceiro mês de um ano. Além de recolher tais montantes, o governo mexe no sistema como bem entende. Portanto, nossa carga tributária é excessiva, desorganizada, contraditória e gera instabilidade jurídica no país. Entre os governadores, também existem resistências localizadas. Porém, a mudança na guerra dos portos, que contrariou interesses sem gerar sangrias políticas, mostra que é possível trazê-los para um esforço de concertação.

Reunidos em Comandatuba (BA), líderes empresariais saudaram as medidas pontuais do governo, mas reforçaram a necessidade de colocar em curso uma mudança estrutural, mudando a lógica dos impostos de modo a favorecer quem trabalha e quem produz. A aprovação recorde da presidente, a base parlamentar que tem ao seu lado e a sensibilidade da chefe do Executivo em relação ao tema são insumos capazes de dar início a esse processo. Mesmo diante de bons remendos, não podemos desistir do ideal. O Brasil vai bem, mas com um novo sistema tributário pode ir ainda muito melhor.