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16.04.2012

As águas turvas de Cachoeira

 

A semana, inevitavelmente, será tomada pela instalação da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) envolvendo as ligações de Carlinhos Cachoeira com o setor público. E é bom que seja assim. Esse caso não poderia passar apenas como mais um capítulo no histórico de escândalos que, infelizmente, compõem o cenário da nossa República. Ocorre que, a julgar pelo que já se teve conhecimento até aqui, é bem provável que estejamos diante de um dos maiores esquemas de corrupção de que o Brasil já teve notícia, com articulações e ramificações que vão de alto a baixo nas diferentes esferas de poder.
Um verdadeiro exército foi montado para lidar com governos e parlamentos, sorrateiramente, através de um modo de agir firmado na concessão de vantagem financeira. A prática do favorecimento foi elevada ao grau máximo. Idem para a comissão indevida, para o superfaturamento de obras e serviços, para a concorrência desleal. Tudo para tornar perniciosa a relação entre o público e o privado. Para desviar. Para achacar de maneira fácil o dinheiro difícil que provém dos impostos. E, ao que parece, muitos se molharam nas águas turvas de Cachoeira. Corruptos e corruptores se encontraram num verdadeiro oásis de promiscuidade moral e crença absoluta na impunidade.

Por esse mesmo motivo, era necessário que o Senado e a Câmara se posicionassem a respeito – sem esperar apenas a ação do Ministério Público, dos demais órgãos de fiscalização e do Judiciário. O espectro de abrangência de Cachoeira impressiona, ensejando também um olhar político proveniente de senadores e deputados. Ao contrário do que possa parecer aos conformistas de sempre, não é hora de panos quentes. É hora de investigar, de lançar luzes, de jogar água fria – isso sim. E não estamos diante de uma pauta de governo ou oposição, mas, como já se viu, de uma organização criminosa que tem braços suprapartidários e interesses diversos.

A formalização de uma CPMI, portanto, dá ao menos um sinal para a opinião pública. Não fará punições, até porque não tem tal função. Mas poderá ser produtiva na medida em que conseguir fazer um debate maduro não apenas sobre os efeitos, senão que também sobre as causas de processos de corrupção como esse. Independente da ação parlamentar, que terá maior repercussão midiática, será fundamental o trabalho dos órgãos convencionais de fiscalização. A Procuradoria Geral da República já fez movimentos nesse sentido. O mesmo se pôde ver de outros setores. E a Polícia Federal, por mais que possa ter cometido equívocos ao deixar vazar escutas sigilosas, não pode ser inibida em seu competente trabalho de investigação.

Tudo o que estamos vendo só reforça a necessidade de reformas. A reforma política, por exemplo, precisa contemplar um sistema de financiamento de campanhas que não exponha candidatos e partidos ao poder econômico. O financiamento público exclusivo pode ser uma solução, mas sua implantação não impedirá que ocorra o ingresso paralelo de verbas privadas. É preciso, portanto, criar e tornar eficiente um mecanismo de fiscalização mais efetivo dos custos eleitorais. É ali, quando se ata uma campanha, que pode estar nascendo grandes prejuízos para os cofres públicos. Dependendo da vulnerabilidade do candidato, a conta pode vir a ser cobrada no exercício do mandato.

A investigação, portanto, terá de ser profunda e séria em todas as pontas. Que o Parlamento não se transforme em espetáculo, muito menos numa briga entre governistas de ontem e de hoje. E que os órgãos de fiscalização, tanto internos quanto externos, e o Poder Judiciário encontrem culpados, punam e exijam que os prejuízos causados ao erário sejam repostos. Se é improvável que tudo isso ocorra, não podemos deixar que a desesperança vença a indignação cidadã. O conformismo seria um obstáculo intransponível no caminho de ascensão econômica e social que estamos trilhando. A política precisa elevar-se na mesma velocidade do país.